Fundamar - Fundação 18 de Março
PROJETO FAZENDA ESCOLA FUNDAMAR / MONOGRAFIAS SOBRE EDUCAÇÃO

Fazenda-Escola Fundamar: A Fazenda do Rosário revisitada?
por Maria Lúcia Prado Costa 2000

Hoje, quando a atenção dos educadores das escolas públicas de Minas Gerais se volta para a criação, em Ibirité, do Instituto Superior de Educação do Estado na Fundação Helena Antipoff, obrigatoriamente retorna à cena a memória de sua instituidora, considerada a maior educadora brasileira, se bem que nascida na Rússia.

A pluralidade da ação intelectual, política e pedagógica de dona Helena Antipoff (1892-1974) em 45 anos de militância no Brasil, lançando idéias, provocando projetos e assumindo a implantação e gestão de diversas instituições foi amplamente prestigiada e registrada por seus contemporâneos. Atenta aos pobres, aos excepcionais, aos superdotados, aos meninos da roça, dona Helena implementou um novo olhar na sociedade mineira - e por extensão de sua persistência em todo o país - para a criança, principalmente para os processos os cognitivos da criança.

Muito já se escreveu sobre ela e a maior prova de sua proficuidade é a sobrevivência de muitas das instituições por ela criadas desde 1929, quando chegou ao Brasil.

Contudo, aqui vamos nos ater à produção pedagógica de dona Helena sobre o ensino rural. Esta por si só já daria "pano pra manga", uma vez que nesta área foi pioneira como problematizadora e gestora de uma pedagogia para a infância da roça, a partir da formação de professores, orientadores e supervisores de escolas rurais - fato inédito e jamais repetido no Brasil, como política social de educação.

O núcleo de seu trabalho foi a Fazenda do Rosário a partir do qual se desdobraram vários projetos, por ela explicitados no artigo "Uma Idéia e 17 Ramificações"1. Desses os mais importantes para o ensino rural foram os cursos para professores leigos e os cursos para orientadores e supervisores, mais tarde reunidos no ISER - Instituto Superior de Educação Rural (1955).
     
Na Fazenda do Rosário, em Ibirité, a Sociedade Pestalozzi implementou, em 1939, com o apoio de particulares e do governo estadual, o projeto idealizado e coordenado por Helena Antipoff. Mais uma vez, aos olhos da elite, a redenção estaria no "campo". Como analisa Regina Helena de Freitas Campos, ao retratar o perfil de Helena Antipoff:
“(...) como grande parte dos pedagogos progressistas da época, Antipoff também pensava que o local apropriado para os "excepcionais", sobretudo para os “excepcionais sociais, seria o meio rural”. O campo ofereceria melhores oportunidades para o desenvolvimento das habilidades para o trabalho manual e intelectual em tarefas culturalmente significativas. Mais que isto, o próprio contato com a natureza ajudaria na formação do caráter das crianças e adolescentes." (grifos nossos) 2

As análises que hoje se fazem sobre a experiência da Fazenda do Rosário batem no contra-senso de se tentar reverter através da educação o êxodo rural, quando este, nos anos 40 já se instalava como um movimento irreversível na sociedade brasileira; e ainda evidenciam seu caráter excludente, ao segregar do ambiente social os pobres para reeducá-los em um ambiente rural, artificialmente armado para tanto.
     
Em que pesem as críticas, não há como refutar a seriedade, o rigor teórico e o alcance político do projeto desenvolvido da Fazenda do Rosário, nos anos 40 a 60. Vários municípios do Brasil, principalmente de Minas Gerais, ingressaram neste projeto de formação de supervisoras rurais, entre eles o município de Paraguaçu, no Sul do Estado.

E é na zona rural deste mesmo município que desde 1984 vem se desenvolvendo outro pólo notável de ensino rural: a Fazenda-Escola Fundamar. Projeto instituído pela Fundação 18 de Março - FUNDAMAR em parceria com a Secretaria de Educação de Minas Gerais, atende hoje a 500 crianças, filhos de trabalhadores rurais do café e da pecuária leiteira e de pequenos sitiantes em franco processo de proletarização ou de expulsão para a periferia da cidade. Para subsidiar sua prática, a Escola mantém 5 ônibus escolares para transporte de alunos e funcionários; refeitório e padaria (600 usuários/dia para 4 refeições); ambulatório médico e odontológico.

Única creche rural pública do Estado, recebe alunos desde 1 ano e meio de idade até 16 anos, quando concluem o ensino fundamental. Em horário integral, estas crianças e jovens têm o ensino formal num período e noutro convivem em oficinas de artesanato e arte-educação: Fiação e Tecelagem, Tricot e Crochet, Cerâmica e Cestaria em Palha; Horticultura e Fabriqueta de Tempero; Marcenaria; Digitação; e Introdução a estas Artes e Ofícios, onde ainda têm aulas de música; biblioteca e recreação dirigida.

A pedagogia das oficinas - marca que a distingue de outras experiências de educação integral - tem alguns pontos em comum com a pedagogia vivenciada na Fazenda do Rosário, desde que, neste paralelo, se relevem a genialidade de dona Helena e o profundo embasamento teórico e intelectual de seus colaboradores, todos educadores de renome.

Segundo ainda Regina Helena, no mesmo artigo já referido, as oficinas da escola rural do Rosário obedeciam aos seguintes princípios: "aprender fazendo, respeito à atividade espontânea do estudante, importância ao trabalho manual para o desenvolvimento intelectual, incentivo à criatividade e à cooperação, registro do trabalho em diários e gestão democrática." E tais princípios coincidentemente o leitor poderá identificar no documento Memorial de um projeto de Arte-Educação para Crianças do Meio Rural: Escola Fundamar3, onde se lê, na conclusão:
"Cada oficina, portanto, se reveste, nas diversas fases de sua história, das características pessoais e profissionais do seu monitor: a organização do ambiente; a proposição da rotina; a pesquisa do potencial de cada grupo de alunos; a forma de interação com as crianças; a escolha do objeto a ser confeccionado e a técnica a ser usada variam de acordo com o perfil do artesão-educador. Sua inventividade, suas referências culturais, seu senso estético, sua capacidade de concretizar idéias, e principalmente, a reflexão sobre o sentido de sua arte para si e para as crianças é que são a matéria-prima principal da pedagogia das oficinas de Fundamar. Mesmo num contexto escolar - ou principalmente por isso - as oficinas de arte-educação, educação pelo trabalho, educação integrada só se viabilizam pela emancipação do artesão-monitor como sujeito e autor de sua prática."

Se a máxima de Pestalozzi: "Penso porque tenho mãos!" foi levada a sério na Fazenda do Rosário, também parece o estar sendo na Escola Fundamar.

Outro ponto de identificação encontramos ao pesquisar os diários das supervisoras-alunas da Fazenda do Rosário. Para nosso espanto, dona Helena já pensava e realizava com esmero e arte a "pedagogia de projetos", nos anos 50. A concepção dela é absolutamente a mesma de hoje. Dizia ela: “Na pedagogia de projetos nosso objeto é a necessária coesão entre todas as matérias escolares que permita aos professores, alunos e colaboradores desenvolver respostas para tantas necessidades que aparecem na realidade cotidiana4”.Infelizmente, hoje, quando esta pedagogia volta à moda no Brasil - travestido de novidade - pouco se fala sobre as experiências pioneiras do ISER. Mas também nas oficinas da Fundamar, os temas que surgem no cotidiano procuram se cercar de pesquisas que estendam a produção artesanal para além da mera "educação das mãos", associando conhecimentos vários que componham um tema de estudo.

Outra identificação com a Fazenda do Rosário encontramos na relação escola-comunidade arquitetada por dona Helena. Estudiosa atenta da importância do meio para a construção da inteligência e da personalidade infantil, do potencial educativo e terapêutico do artesanato, dos valores atinentes à cultura popular para a construção do sentimento de "pertença" do grupo, dona Helena foi além. Apesar de não usar o conceito formalmente, entendeu como ninguém o potencial do extensionismo rural, incentivando seus alunos-supervisores a desenvolverem ações de saúde, saneamento e lazer junto à comunidade de Ibirité. Estes mesmos objetivos direcionam as relações entre a Fundamar e sua comunidade, trazendo o tempo e o espaço destas famílias e bairros rurais como objeto permanente de estudo e pesquisa dos alunos (Projeto Cadernos de Estudos Sociais); promovendo eventos na escola e na comunidade, como campanha para reciclagem de lixo; cursos pontuais sobre alimentação alternativa; saúde da mulher; primeiros socorros, etc.; apresentação do coral, da fanfarra, e do grupo de Pastorinhas; acompanhando os encontros de catequese e oração em determinados pólos; promovendo campanhas de vacinação; visitando todas as famílias de alunos à época de matrícula - em qualquer época do ano - e abrindo a Escola para parcerias com instituições afins (Escola Agro-técnica Federal de Machado; EFOA - Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas e Pastoral da Criança.

Assim, sem a falaciosa intenção de evitar o êxodo rural e sem segregar a criança de sua comunidade de convivência, a Fazenda-Escola Fundamar vem, apesar de todas suas limitações, re-aprendendo o sentido de sua prática ao reverenciar a rica e extraordinária experiência do ISER.

Hoje, a criação do Instituto Superior de Educação na Fundação Helena Antipoff mais do que trazer à cena a memória de sua instituidora por certo suscitará alguns debates sobre o ensino público rural, tema tido como anacrônico na visão dos gestores das políticas sociais de educação, mas que ainda dá mostras de fôlego na Fazenda Escola Fundamar.

1. ANTIPOFF, Helena. Uma Idéia e 17 Ramificações. In Edição Especial Centenário Helena Antipoff. Junho/1992 CTC - Consultoria Técnica Educacional e ADAV - Associação Milton Campos para Desenvolvimento e Assistência à Vocação dos Bens Dotados.

2. CAMPOS, Regina Helena de Freitas. Helena Antipoff - A Fascinante História de uma Educadora Popular no Brasil. Revista Presença Pedagógica. Ed. Dimensão. Nº. 3. Maio/Junho 1995.

3 Este documento está disponível para consulta no site www.fundamar.com.

4 IN Ensino Normal e Treinamento de Dirigentes de Escolas em Zonas Rurais. 22.11.1950.
 
 
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