Amílcar de Castro de A a Z
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ABUSO DE DIREITO - “No parágrafo único do art. 3º, acima transcrito, o legislador empregou a expressão “abuso de direito”, que é inexata, razão pela qual está sendo substituído por ilícito processual, que é o exercício anormal da defesa; anormal no sentido contrário à sua destinação jurídica, econômica ou social: exercício reprovado pela opinião pública, que excede por conseguinte, o conteúdo do direito, pois que este, sob o ponto de vista social, é sempre relativo, não havendo direitos absolutos, porque nem mesmo a propriedade o é. Assim a defesa judicial será ilícita sempre que ocasionar um dano previsível, por um meio que os bons costumes reprovem Saleilles”. (“Pareceres”, página 138). ABUSO DO PODER ECONÔMICO - “Indiscutivelmente a caracterização do abuso de poder econômico não pode ser dada senão pela finalidade e pelas conseqüências do ato praticado; e seria, no caso da consulta, a união de empresas que resultasse no açambarcamento do mercado com o aumento arbitrário dos lucros. Como notou muito bem o Ministro Nelson Hungria, deve-se distinguir entre consórcios benéficos e holding maléficos, pois desde a lei de Chapelier a jurisprudência francesa sempre timbrou em distinguir entre as boas e as más uniões, isto é, as que podem atender ao interesse nacional, ao interesse público, e são lícitas, e as que são perniciosas, que são lesivas ao bem comum, e, por isso mesmo, devem ser consideradas ilícitas”. (“Pareceres”, página 33). AÇÃO - “Os autores que têm concepção “privatística” do direito internacional privado estão como aqueles que consideram a ação como elemento da relação jurídica de direito privado, ou melhor, como o próprio direito privado em sua tendência à atuação. E assim como há alguns processualistas retardatários, que ainda não conseguiram conceber a ação como situação jurídica concreta de direito público, há também cultores do direito internacional privado a insistir em confundi-lo como o direito privado”. (“Lições”, página 53). AÇÃO COMINATÓRIA - “A ação cominatória, em razão de sua própria natureza, refletida em sua denominação, volta-se mais para o futuro: não se destina a reparar danos já ocasionados, mas a evitar danos que poderão vir a ser ocasionados”. (“Pareceres”, página 301). AÇÃO E PROCEDIMENTO - “Tem sido fonte inesgotável de erros e incertezas a confusão, freqüente e inadmissível, de ação com processo ou procedimento; realidades jurídicas inconfundíveis, com aparência definida, uma independente da outra. E não se pode tratar de legitimação para agir, sem insistir neste assunto, salientando bem a distinção entre a legitimidade para agir no processo, como seu sujeito ativo (autor ou réu) e a legitimação para gozar ou sentir os seus efeitos, como sujeito ativo da ação (autor ou réu). O processo ou procedimento é accessível a todas as pessoas: basta que alguém esteja na suposição razoável de que tem direito, e de que está ameaçado, ou foi violado, para que tenha faculdade de recorre ao Poder Judiciário, afim de que este fale sobre aquele suposto, ou verdadeiro direito ”. (“Comentários ao Código de Processo Civil”, volume da Editora Revista dos Tribunais, 3a edição, volume VIII, página 06 e n. 04 do “Do Procedimento de Execução, página 05). AÇÃO OU PROCEDIMENTO – “O processo não é um combate, não é uma luta, ou prélio de astúcias, do qual deva sair premiado o mais ardiloso (Antonio Pereira Braga). É sabido que a chamada relação processual é dupla e formada em ângulo, entre cada uma das partes e o juiz; (uma relação que) não existe, e nem pode existir entre as partes litigantes (Konrad Hellwig, Hans Sperl), precisamente porque é um meio de se fazer justiça, e no regime de justiça pública em que vivemos, a regra é o Estado distribuir justiça por intermédio de seus juizes.” (“Pareceres”, página 139). AÇÃO POSSESSÓRIA – “Ensinam os melhores tratadistas que a apreciação jurídica nunca é feita em relação ao próprio agente, mas sempre em relativamente ao comportamento complementar de outra pessoa (Levi). A justiça é critério de apreciação com que tomamos posição diante da atividade uma pessoa relativamente a outra (Bobbio). E assim sendo, a relação estabelecida entre o indivíduo e a coisa, sem possibilidade de referência a outra pessoa não é juridicamente apreciável. (...) Não vem a pêlo afirmar que juridicamente se toma em consideração, por exemplo, a relação possessória, que se estabelece entre o indivíduo e a coisa, e chega-se a ponto de atribuir domínio, por usucapião, a quem mantenha essa relação de fato, por certo espaço de tempo. Não se deve perder de vista que a relação possessória só é juridicamente apreciável quando outra pessoa a ponha em dúvida, e a declaração de domínio por usucapião se faz erga omnes. De tal sorte que as relações de fato estabelecidas entre a pessoa e o bem, só são juridicamente apreciáveis com referência a outra pessoa. Neste caso costuma dizer-se que o bem é objetivo de relação juridicamente apreciável”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 214, página 423). AÇÃO FINDA - REINÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL - - “Ora, consoante a melhor doutrina, em se tratando de demanda, na fase de conhecimento, o ato de que deve recomeçar a correr a prescrição interrompida pela citação inicial, deve ser a sentença positiva de acolhimento da demanda, vale dizer: a sentença final que julga a ação procedente, uma vez que da sentença que rejeita a demanda não pode recomeçar a correr nenhuma prescrição. Sendo a interrupção da prescrição um dos efeitos da citação, é intuitivo que pode haver interrupção por citação nula ou por vício de forma, por citação circunduta por ter sido o réu absolvido da instância, por ter sido o autor julgado carecedor da ação, ou por ser a ação julgada improcedente”. (“Lições”, página 14). ACCESSÓRIOS E O PRINCIPAL – “Planiol et Ripert afirmam que é questão de fato saber se os juros vencidos foram compreendidos na cessão. Ennecerus e Leheman também ensinam que constitui um problema de interpretação saber se os acessórios do crédito foram transferidos com o principal, presumindo-se, na dúvida que sim; mas acrescentam que unicamente a pretensão aos juros convencionados já vencidos não se transfere, na dúvida, pois, como produto também do ponto de vista econômico aparece separada da pretensão do capital. E neste sentido Roberto de Ruggiero afirma que os juros já vencidos ao tempo da cessão são excluídos desta, desde que o contrário não se convencione”. (“Pareceres”, página 86). AÇÕES E O INTERESSE PÚBLICO – “Planiol et Ripert, apontando uma infinidade de julgados franceses que seria fastidioso aqui reproduzir, tratam do exercício das demandas, afirmando quem participar de um processo judicial, seja como autor, seja como réu, pode ser condenado a pagar perdas e danos à parte contrária, se agir com malícia ou de má fé, ou mesmo em conseqüência de um erro grosseiro. Isso porque o direito de recorrer à justiça não é absoluto; é sim subordinado à existência de um interesse sério: os tribunais estão abertos aos particulares apenas para a defesa de seus direitos e de seus interesses legítimos, não para fim diletante ou malicioso. Ora, o réu não pode ter interesse legítimo em na criação de incidentes que não tenham outro objetivo senão retardar a sentença final; e como ensinam Mazeaud et Mazeaud, é indiscutível a responsabilidade por perdas e anos quando o direito é exercido sem interesse.”. (“Pareceres”, página 139). ADJUDICAÇÃO – “A sentença que concede adjudicação é constitutiva. Em muitos casos, a lei atribui a uma pessoa poder de influir com a sua manifestação de vontade sobre a condição jurídica de outra, sem o concurso da vontade desta, ora extinguindo direito, ou situação juridicamente apreciável, ora criando outro direito, nova situação juridicamente apreciável ou diverso efeito jurídico. Assim, o credor tem o direito potestativo de pedir que os bens penhorados lhe sejam adjudicados, e o juiz quando concede a adjudicação nada mais faz do que declarar solenemente que houve por bem autorizar a transferência do domínio da coisa penhorada do patrimônio do executado para o do exeqüente, por ter encontrado nos autos todos os pressupostos dessa transferência. De tal sorte, a sentença de adjudicação produz ao mesmo tempo a constituição de novo estado jurídico (a aquisição da propriedade pelo exeqüente) e a extinção de direito subjetivo impropriamente dito, ou estado de fato juridicamente apreciável (a perda da propriedade pelo executado). (“Do Procedimento de Execução”, n. 489, página 271). ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA - “A atividade do Estado, para operar a atuação da lei, exige tempo e dinheiro, e por isto mesmo quem esteja na necessidade de se valer do processo para ver realizado o seu direito, não pode ser prejudicado pelo tempo decorrido, nem pelos gastos exigidos. A administração da Justiça falharia aos seus fins, e própria seriedade do Poder Judiciário seria comprometida se o mecanismo processual funcionasse em prejuízo de quem tem razão. Assim argumentando, mostra Chiovenda que a sentença de acolhimento da demanda deve atuar na lei como se isto acontecesse no próprio momento da apresentação judicial do pedido, e afirma que o mais importante dos fatos que a pendência da lide despoja de todo efeito danoso para o direito, é o próprio decurso do tempo: enquanto a lide perdura, nenhuma prescrição se pode consumar”. (“Lições”, páginas 17/18). ADMINISTRAÇÃO, PODERES DE - “Também Baudry-Lacantinerie e Wahl ensinam que o mandatário geral, investido dos poderes de administração, pode intentar ações possessórias que não sejam prejudiciais ao mandante e sejam urgentes, mas não pode intentar ações reais imobiliárias, por que isto não é ato de administração; e, do mesmo modo, não pode promover ação de divisão. Às vezes esses poderes se exercitam e atuam mediante simples manifestação de vontade, mas outras vezes dependem de verificação e declaração judiciais, sem que a atividade do Juiz se envolva em negócio jurídico”. (“Pareceres”, página 179). ADOÇÃO – “Trata-se de invenção piedosa de remédio consolatório para os que não têm filhos. A chamada filiação civil, que se institui entre o adotante e o adotado é imitação limitada da relação existente entre pai e filho, pois o adotado não perde a ligação com a família originária, e, o que é mais, pode não cair sob o pátrio poder do adotante, continuando o mesmo a pertencer ao pai ou à mãe. A maior eficácia da adoção se encontra nas relações patrimoniais e por isto mesmo prevalece o caráter de ato de liberalidade e diz-se aqui prevalece por que nunca deixa de repercutir no direito de família”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 195, página 403). ADOÇÃO DE FILHO ESPÚRIO – “Tem sido discutida a questão de saber se alguém pode adotar o seu filho espúrio; mas deve-se ver que o reconhecimento e a adoção, pelos pressupostos e pela finalidade, são instituições inconfundíveis. Enquanto o reconhecimento se baseia na filiação natural, a adoção pressupõe exatamente o contrário, isto é, que o adotado não seja filho natural do adotante. Por conseguinte, havendo o reconhecimento, não pode haver adoção, ainda que o filho não seja espúrio; mas enquanto não houver o reconhecimento a adoção é possível, nada importando que o adotado seja, ou não, de verdade, filho do adotante. A lei não proíbe adotar filhos espúrios não reconhecidos; sim apenas proíbe reconhecê-los; e de adoção só se pode cogitar em falta de reconhecimento. Não é por ser espúrio que o filho não pode ser adotado; é por ser filho”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 195, página 404). ADULTERINO “A MATRE” - “Mesmo na constância do casamento de sua mãe, pode o adulterino “a matre” investigar sua geração paterna”. (Revista Forense, 175 (CLXXV), página 224 e seguintes. Acórdão assinado em primeiro de dezembro de 1957). AERONAVES E NAVIOS – “A doutrina e a jurisprudência têm considerado os valores dos navios e das aeronaves como bens de natureza especial a que não se adapta o ius rei sitae em razão da pressuposta instabilidade de localização das coisas, nem o ius domicilii do proprietário ou possuidor, que não é ponto onde as mesmas sejam destinadas a ficar por mais tempo, ou por tempo indeterminado, e por isso devem ser apreciado pelo direito do país de matricula, a que são pertinentes; e pelos mesmos motivos o material rodante de estrada de ferro deve ser apreciado pelo direito do lugar aonde se encontre a sede da companhia”. (“Dir. Int. Privado”, n. 217, páginas 429\430). ÁGUAS - “Não havendo comunhão de água, não pode haver divisão judicial; se o córrego atravessa a divisa e não serve de divisa não há condomínio de água”. (Volume 16 dos cadernos originais, página 25, Sala Especial Desembargador Amílcar de Castro). ÁLGEBRA E O DIREITO – “Semelhantemente, as normas de direito internacional privado referem-se ao direito primários em abstrato, isto é, abstração feita de seus valores concretos, sem consideração a qualquer de seus elementos. Como se sabe, toda expressão algébrica tem uma infinidade de valores numéricos, que dependem dos que forem atribuídos aos símbolos que a constituem. Denomina-se valor numérico de uma expressão algébrica aquele que, depois de feita a operação, se obtém pela substituição das letras por números qualificados, efetuando-se os cálculos. Ora, como na álgebra, em direito internacional privado, quando se fala, por exemplo, em direito do domicílio, direito nacional, direito do lugar onde o ato vai ser realizado, ou do lugar do pagamento, têm ais expressões uma infinidade de valores dependentes da posterior substituição dos símbolos.” (“Lições”, páginas 164/165). ALGO MISTERIOSO - “Carnelutti percebeu na decisão judicial algo misterioso que pode ser considerado, porque o processo é coisa viva e, em qualquer dos seus aspectos, a vida é segredo; e acabou por afirmar que na alma do juiz é que se celebra o mistério. Este mistério, pode-se acrescentar, é o segredo da geração do direito. Nesse mesmo sentido, Calamandrei, tendo o juiz como artífice ativo da justiça, reconheceu que o direito nele se encarna, para converter-se em expressão concreta da vontade, operante através de suas palavras. No seu entender, o juiz é o direito feito homem, pois só deste podemos esperar na vida prática a tutela que, em abstrato, a lei nos promete”. (“Dir. Int. Priv.", n. 50, 5ª edição, página 118/119). ALIENANTE E SUA CONTINUIDADE NA LIDE - “Em casos como dos autos ensina Chiovenda que o alienante permanece na lide em nome próprio por um direito de outrem, nada influindo a relação processual a sucessões no direito substantivo; e não é outra a lição de Carnelutti onde afirma que dos princípios reguladores da sucessão na lide, por ato entre vivos, durante o processo, é este da “persistenza della legittimaione ad agire del primo soggetto della lite anche dopo la successione”. (Voto vencedor assinado em 03.03.1937 e publicado na Revista Forense n. 70 (LXX) de março de 1937, página 104). ALIMENTOS – “O termo “alimentos”, na terminologia jurídica, significa sustento, habitação, vestuários, tratamento por ocasião de moléstia e, quando o alimentando for menor, educação e instrução. E tanto no direito alemão como pelo direito brasileiro, os parentes em linha reta estão reciprocamente obrigados a suprir alimentos; mas esta obrigação não é correspondente a direito do pai, de ter o filho em sua companhia. Trata-se de relação familiar fundada no vínculo de parentesco, mas que interessa diretamente à sociedade, como dever de quem alimenta, e daí o caráter de ordem pública de que se revestem as disposições legais referentes à dívida alimentar. Inegavelmente, a pessoa obrigada a suprir alimentos pode pensionar o alimentando, ou então dar-lhe casa, hospedagem e sustento (aliás, quando no exercício do pátrio poder o Pai deve ter o filho em sua companhia e guarda pelo disposto na lei brasileira , mas não é menos certo que sempre compete ao juiz de acordo com as circunstâncias de cada caso, providenciar em sentido diverso”. (“Pareceres”, página 102). ALTISTAS - “As operações a termo são contratos necessariamente aleatórios, porque, no tempo que vai da formação à execução do contrato, pode dar-se a variação dos preços e assim, a alta ou a baixa, acarretará lucros ou prejuízos a qualquer dos contratantes. Sobre a oscilação dos preços o vendedor e o comprador especulam. Quem compra a termo, com a intenção de revender por mais, é especulador na alta: altista; e quem vende a termo mercadoria que ainda não possui, esperando adquiri-la por preço inferior é especulador na baixa: baixista. Essas operações a termos realizam-se ordinariamente a descoberto, como aconteceu no caso da consulta, isto é, não tendo o vendedor a mercadoria que vende, nem querendo o comprador pagá-la na época do contrato ”. (“Pareceres”, página 225). ÂMBITO GEOGRÁFICO - “Os limites do poder público nada têm a ver com o âmbito geográfico, sim com o território jurídico, poder de afastar, ou repelir, intromissão estranha. O poder soberano deve, em regra, ser exercido no âmbito geográfico denominado território físico, mas aí pode ser atinente a pessoas que se encontrem no estrangeiro, e a fatos ocorridos em diverso território físico, onde se manifeste outro poder soberano”. (“Lições”, página 197). ANARQUIA - “Na verdade nunca existiu essa almejada “sociedade internacional de indivíduos” se pela palavra sociedade for compreendido “um agregado permanente de indivíduos que, ligado entre si por interdependência, cooperam para fins comuns” (Spencer), já que esta cooperação não pode existir entre indivíduos pertencentes a sociedades diferentes porque as relações sociais que se estabelecem são absorvidas pelas sociedades a que pertencem. Nicholas Spykman entende que do ponto de vista lógico, a questão de saber se existe, ou não, sociedade internacional não tem sentido porque não se deve confundir sociedade com conjunto de confusas relações sociais. No seu entender, anarquia e ordem não conotam ausência ou presença de sociedade, mas apenas presença ou ausência de governo.” (“Lições”, página 119). APÁTRIDAS - “A falta de nacionalidade (apatrídia) tem sido às vezes denominada conflito negativo de nacionalidade, expressão imprópria., dúbia, desnecessária, que convém seja evitada, porque não há e nem pode haver, conflito de nacionalidades nem positivo, nem negativo. Quando seja impossível saber-se se a pessoa tem nacionalidade, ou ficar evidenciado que não tem, deve haver modo de apreciar o fato em que se envolve o apátrida, porque à apatrídia não importa privação do gozo e exercício de direitos. E vários sistemas têm sido propostos. (...) O melhor é o que foi seguido pelo artigo 9o, número I, da antiga Introdução do Código Civil Brasileiro de 1916: “observa-se o direito do domicílio; se o apátrida não tiver domicílio conhecido, o do lugar da sua residência; e quando não tenha residência, o ius fori, não ficando, assim, o caso sem solução”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 76, página 200). APELAÇÃO À DECISÃO INTERLOCUTÓRIA - “O recurso é de apelação porque não se trata de indeferimento de petição inicial, e sim de uma sentença interlocutória com força de definitiva, para a qual nenhuma lei determina o recurso de agravo, e que, tendo apreciado o mérito da defesa produz julgado”. (Voto vencido proferido em 21/10/1936, publicado na Revista Forense de outubro de 1936, página 822, volume 68). APLICAÇÃO DA LEI – “Ao aplicar a lei, deve o juiz vivificá-la e melhorá-la (Carmignani); em vez de permanecer como insensível e frio aplicador mecânico de dispositivos legais, deve proceder como órgão de aperfeiçoamento destes; como intermediário entre a letra morta dos códigos e a vida real, apto a plasmar com a matéria prima da lei uma obra de elegância moral, útil à sociedade. Ora, se na aplicação prática da lei nunca se deve perder de vista que toda norma legal pertence a um sistema jurídico dominado principalmente pelas noções de equidade, de boa-fé e de moralidade; e portanto a melhor doutrina é sempre aquela que protege a boa-fé, ampliando e facilitando sempre e cada vez mais, os meios de combate à fraude”. (“Voto vencedor lançado em 18 de janeiro de 1940 e publicado na Revista Forense n. 83 (LXXXIII), páginas 294/295). APRECIACÃO DO FATO e DO DIREITO - “Icílio Vanni justifica, como princípio fundamental, quer da dogmática jurídica, quer do direito sob o ponto de vista histórico, que não há direito verdadeiro sem juiz que o aplique. É que o direito não está nos fatos, mas na apreciação dos fatos, apreciação esta feita e garantida oficialmente por uma autoridade, em se tratando de direito positivo de sociedade estruturada em subordinação. Por isso mesmo o direito se estende tanto quanto à jurisdição, em mútua correspondência, soldados integral e indissoluvelmente. No dizer de Carbone, “a autoridade é elemento conceitual do direito, é nota que lhe integra a definição”. Essa autoridade é quem cuida de organizá-lo em forma efetiva e de impô-lo à vontade dos indivíduos, por coação física ou psíquica.” (“Lições”, página 177). APRENDIZADO JURÍDICO – “Toda beleza e toda sedução do ensino e do aprendizado jurídico estão em não ser o direito ciência exata. O direito não tende ao conhecimento da verdade, como as ciências físicas e naturais, e sim a consecução de soluções justas e úteis, por isto fascina e deleita. Atrai e encanta mais que as ciências físicas e naturais porque o seu mundo não é o do ser, a que pertencem os valores. Sendo realidade jurídica muito diferente da natural; não sendo constituída pelo que verificamos por aplicação direta dos sentidos, mas por apreciações de ralações abstratas; não devendo ser abordada com espírito matemático, geométrico ou científico, preordenada a juízos de inerência, ou de existência, mas com o animo axiológico, predisposto a juízos de valor; não é ciência natural resultante da tomada de posse dos fatos, para observá-los, examiná-los, sim um sistema de dogmas apreciativos, resultantes de tomada de posição diante dos fatos, para julgá-los justos ou injustos – o estudo, ou ensino do direito, longe de ser tarefa tormentosa, é trabalho encantador”. (“Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais de 1966, página 251). ARBITRAMENTO – “Faz-se liquidação por arbitramento sem dependência de outra qualquer prova, quando não é possível fazer a liquidação de outro modo”. (Voto vencedor proferido em 20.05.1936, publicado na Revista Forense n. 68 (LXVIII), página 830). ARGUMENTO DE AUTORIDADE - “Já ficou visto que, pelo nosso sistema, os debenturistas podem ter oportunidade de subscrever ações por compensação (transmudação, ou conversão impropriamente dita) sem que haja emissão de obrigações conversíveis; e então será este o meio pelo qual a companhia pode prever a conversão, no pensamento de Miranda Valverde e Carneiro Guimarães. Se não for, esses brilhantes comentaristas estarão de pleno acordo com a lição de Tullio Ascarelli, porque repisamos, no estado atual do direito positivo brasileiro, se houver aumento de capital, pode perfeitamente a assembléias que o deliberar permitir que o debenturista subscreva as novas ações, compensando a subscrição com debêntures. Se não for, estarão discordando da lição de Ascarelli, porque estarão entendendo que é possível a sociedade emitir debêntures conversíveis em ações, com a promessa de futuramente aumentar seu capital e emitir novas ações de valor preestabelecido”. (...) “sem dúvida são mestres de grande tomo e saber, mas “o direito é ciência tão difícil que ainda os maiores jurisconsultos mudam freqüentemente de parecer, tendo alguns a nobre coragem de o confessar; logo seria insânia acompanhá-los sem inquirir dos fundamentos de seus assertos, como se fossem infalíveis”. (“Pareceres”, página 51). ARREMATAÇÃO – “É uma das mais antigas regras do nosso direito processual civil esta de que a arrematação válida não se retrata. Assinado o auto, considera-se perfeita e acabada e, salvo disposição em contrário, não mais se desfaz. É que na arrematação se defrontam os interesses do arrematante e o do Estado, e as leis que compõem diretamente esse conflito não podem admitir o arrependimento do arrematante porque devem evitar que, por essa forma, algum conluio malicioso venha frustrar o legítimo exercício da função jurisdicional. Por vontade do exeqüente, ou do executado, também não pode a arrematação desfazer-se, tanto no interesse do arrematante como porque quem vende é o Estado, exercendo sua função jurisdicional, e não como representante do executado.”. (“Comentários ao Código de Processo Civil, vol. X, da edição de 1983 da Revista dos Tribunais, página 316, n. 427)”. ARREMATAÇÃO E ERRO – “A arrematação exclui, por sua natureza, as lides redibitórias e por abatimento no preço, próprias das vendas particulares (Código Civil, art. 116) pois, como ficou visto, a alienação judicial não é querida pelo proprietário da coisa. Não é o fato de ser feita publicamente, em presença de outras pessoas, que justifica essa exceção, pois pode perfeitamente o vício, que é oculto, não ser notado por qualquer dos presentes; e sim a circunstância de ser a alienação feita sem o concurso da vontade do proprietário é que obsta seja o mesmo responsabilizado pelos defeitos que a coisa venha a apresentar. E também o Estado não pode ser responsável por esses defeitos, porque apreende a coisa e a aliena tal qual é (Domat), e sempre se presume que o representante do Poder Judiciário, no exercício normal de suas funções, tenha agido sem dolo e sem culpa”. (“Do Procedimento de Execução”, n. 419, página 235). ARROLAMENTOS E INVENTÁRIOS - “O legislador brasileiro, rompendo a tradição de nosso direito, entendeu agora que os processos de inventário e de arrolamento são contenciosos, porque não aceitou a doutrina de Adolfo Wach, de Chiovenda, de Cristoçolini, de Ugo Rocco, de Carnelutti e de Goldschmith, e resolveu que basta a possibilidade de qualquer divergência dos interessados em juízo, para que o processo deva ser chamado de contencioso, nada importando que, antes de virem a juízo, já quisessem todos o inventário, ou o arrolamento, à custa própria. Sem dúvida por isto o legislador não merece censura ; nem seria obrigado a pensar de outro modo, mas também a nós nada nos impede que, de lege ferenda, continuemos a pensar de modo diferente, sem por isto merecermos a pecha de errados. Em direito que não é ciência exata, como disse um eminente jurista prussiano, Walther Schoenborn, “teoria exata é a que explica da maneira mais natural as situações dadas”. (“Lições”, página 232). ARTE DE JULGAR – “Pode-se, então, dizer que a alegórica balança e a simbólica espada da justiça, assim como a sua cegueira imanente, encontram-se na decisão judicial, que é tudo. A decisão judicial ainda é uma espécie de mata virgem no reino do direito, região quase inexplorada, da qual muito pouco se conhece. Já no princípio do século XVIII, D’Aguesseau entrevia a grandeza e a miséria do julgar, notando que os fatos são juridicamente apreciados não pelo que são em si mesmos, mas por exterioridades. Entretanto, até pouco tempo não se havia prestado bastante atenção a que “o juiz julga, não sobre a verdade eterna das coisas, mas sobre aparências, figuras, vestígios, sombra dos fatos (Capograssi)”. (“Lições”, página 181). ARTIGOS DE ATENTADO - “Recebida a apelação em ambos os efeitos, o juiz nada mais pode inovar, mas, se no incidente de atentado uma das partes se diz lesada por inovação feita contra direito pela parte contrária, e pede que volte tudo ao estado anterior, e por isso mesmo o juiz, se der pela procedência da alegação, apenas ordenará em sua sentença que tudo volte ao estado da lide anterior à inovação lesiva, evidente está que pode o juiz julgar os Artigos de Atentado sem fazer qualquer inovação: tudo deverá volver ao estado anterior à sentença apelada, e esta exatamente pressupõe o mesmo estado anterior da lide, que os agravantes supõem alterado e pretendem restabelecer. De resto, ainda que a causa estivesse nesta Corte, o Juiz a quo é que teria competência para julgar o Atentado”. (voto de Amílcar de Castro transcrito no voto do Desembargador Leal da Paixão, Revista Forense n. 72 (LVVII), página 628, apelação 6.335 da Comarca de Bambui, em 13.10.37). ÁRVORES EM PÉ - “As árvores consideradas em si mesmas para serem transportadas vivas ou mortas de um para outro lado são móveis por antecipação, conforme a melhor doutrina. A mobilização é equivalente à disposição”. (Volume 15º dos Cadernos Originais arquivados na Sala Especial Desembargador Amílcar de Castro, página 30). ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - “Não se deve indeferir de plano o requerimento de assistência judiciária, quando haja possibilidade de ser ou não verdade o que afirma o requerente. Não é exato que a assistência só se conceda para a jurisdição contenciosa, pois a lei não faz semelhante distinção. Despesas em Mandado de Segurança nem sempre são irrisórias. Basta ver o Mandado de Segurança que o dr. Jair Lins impetrou contra a desapropriação do Banco Hipotecário. Só de papel (...)”. (Agravo 2.134 da Comarca de Aiuruoca de 05.04.48, página 81/82, volume 20 dos Cadernos Originais, 1947, Arquivados na Sala Especial Desembargador Amílcar de Castro no TJMG.). ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA EM PROCEDIMENTO NÃO CONTENCIOSO– “Assim não é exato que a assistência só possa ser concedida para jurisdição contenciosa porque a lei não faz semelhante distinção e só da letra de alguns artigos do código não se deve deduzi-la, por que em processo de jurisdição voluntária pode haver tanta necessidade de assistência quanto exista em processo de jurisdição contenciosa”. (Revista Forense 99 (CXIX) página 157, acórdão assinado em 05.04.1948). ASTREINTE – “A multa diária imposta em ação cominatória corresponde à astreinte ou contrainte do direito francês, que se caracteriza pelo exagero da quantia em que se faz a cominação, não correspondente ao prejuízo real causado ao credor pelo inadimplemento, nem dependente da existência de tal prejuízo. É antes uma pena imposta com caráter cominatório para o caso de o obrigado não cumprir a obrigação no prazo fixado pelo juiz. Parece razoável afirmar-se que, enquanto o devedor tem prazo para cumprir a sua obrigação de fazer, a multa não pode ser imposta. A imposição da multa só referir-se ao primeiro dia posterior ao do vencimento do prazo e aos dias subseqüentes até a data em que obrigação for cumprida, data esta judicialmente verificada e declarada a posteriori. E o seu quantum não pode exceder ao valor da obrigação ”. (“Pareceres”, página 303)”. ATENTADO – “Para se admitir o incidente de atentado em ação de manutenção de posse é preciso que no auto de manutenção liminar se descreva o estado da coisa”. (Revista Forense n. 127 (CXXVII) página 488 em acórdão assinado em 23.05.49, voto vencido). ATIVIDADE EM SUBSTITUIÇÃO – “Conforme doutrina do grande processualista Chiovenda, onde não haja substituição de atividade, não há jurisdição. No seu dizer, a atividade jurisdicional é sempre atividade em substituição, isto é, substituição da atividade de outrem pela atividade pública. Vale dizer: substitui-se não só a atividade das partes como a de todos os cidadãos, pela exclusiva atividade da autoridade jurisdicional; só esta pode dizer como o fato aconteceu e qual seja o direito pelo qual deva esse fato ser apreciado. Só pode haver jurisdição quando o juiz decide em causa alheia (in causa altrui); e o juiz nunca decide como representante dos interessados, mas sempre acima destes, exercendo poder soberano”. (“Lições”, página 239). ATIVIDADE MENTAL DO JUIZ E O FATO - “É perfeita a lição de Satta, quando ensina que aplicar o direito nada mais é que avaliar juridicamente o fato. Na verdade, a atividade mental da autoridade jurisdicional, para chegar a qualquer conseqüência jurídica, deve, necessariamente, concentrar-se na averiguação do fato e na determinação do critério por que deva ser apreciado. Concomitantemente examina o que Erich Daniz chama o lado bruto da vida, que é o quadro apresentado pelas relações sociais, declara o valor jurídico de suas conseqüências, e passa a garantir obediência a essa declaração. Sempre a quaestio facti entrelaçada com à quaestio juris”. (“Lições”, páginas 177/178). ATO DE CONCESSÃO – “O ato de concessão tem por pressuposto, uma vez que a colaboração do particular é voluntária e não obrigatória, uma reciprocidade ou bilateralidade de prestações: o concessionário obriga-se a prestar o serviço, mediante a remuneração estipulada; e o concedente obriga-se a respeitar, durante o prazo convencionado, a equação financeira do contrato ou a correspondência entre os encargos do concessionário e a sua remuneração, nos termos do convênio entre ambos concluído. Se o poder concedente agrava as obrigações livremente assumidas pelo concessionário, este tem direito a que se reajuste a equação financeira de maneira que continue inalterado o equilíbrio inicialmente estabelecido entre os encargos e a remuneração”. (“Pareceres”, página 326). ATO DE FORÇA DESAPARECIDA – “Para cobrar-se dos prejuízos causados por atos de força que cessou ou desapareceu, deve a parte que deles se queixa propor a competente ação de indenização e não propor ação de demarcação com queixa de esbulho, que é evidentemente imprópria para tal fim”. (Voto vencedor proferido em 1o de março de 1943 e publicado na Revista Forense de setembro de 1943, páginas 612/613). ATO DE JULGAR – “Preparando o terreno para onde vou levar a exposição(*), devo advertir que nada direi de original, nem seriam minhas forças suficientes para tanto: nada mais farei do que reproduzir o que colhi em modernas obras estrangeiras, algumas pouco divulgadas, a respeito do núcleo da decisão judicial, isto é, acerca da parte interna, psicológica, inatingível do julgado, naquele momento em que juiz tanto pode ascender às culminâncias divinas, como descer às mais abjetas prevaricações”. (“Lições”, página 176). ATO OU FATO JURÍDICO - “Não há fatos jurídicos. Esta expressão, tomada em sentido próprio, conteria contradictio in adjecto, e é só linguagem figurada. Oposto o fato à ordem jurídica, em planos diferentes, é claro que, em sentido próprio, não se pode falar em fato jurídico, ou em ato jurídico. Fato, ou ato jurídico, é fato, ou ato, sujeitável (exposto) à apreciação jurídica. Note-se que o adjetivo jurídico tem dois sentidos: um, mais restrito, equivalente a conforme a ordem jurídica; outro, mais amplos, idêntico a relativo à ordem jurídica, concernente à ordem jurídica, seja, ou não, conforme a esta. O fato, ou ato, em si mesmo, não é jurídico, nunca: seu julgamento é que poderá ser, quando feito em forma de decisão judicial, garantido pelo Estado”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 95, página 227). ATO EXTRAJUDICIAL OU DIREITO EUREMÁTICO - “Denomina-se direito euremático o conjunto das normas relativas aos pressupostos de validade dos atos extrajudiciais, relativamente às partes e a terceiros, como a personalidade, a capacidade, a forma dos atos extra-judiciais, a teoria das nulidades dos atos privados, as formas de publicidade e os registros públicos. Não devem essas matérias continuar na esfera do direito privado, por serem de direito público secundário, já que, de acordo com a lógica, cada divisão deve ter um único fundamento, deve ser ordenada hierarquicamente, e ser irredutível, isto é, cada parte mencionada não dever conter outra (Gofredo Telles, Tratado da Conseqüência. Sem esse setor do direito público, onde colocar essas normas? (Amílcar, Comentários ao CPC). E desde que o mestre dos mestres de refere à jurisprudência euremática (João Mendes de Almeida Júnior, Direito Judiciário Brasileiro, pode-se perfeitamente falar em euremáticas e em direito euremático”. (Nota de rodapé 55, na 6ª edição de 2005, página 75 e em parte em nota de rodapé n. 96 das edições anteriores, página 92). ATO JURÍDICO – “Jurídico é conceito formal; e o conteúdo da forma jurídica é sempre relativo a certa jurisdição, em determinada época. Não há fatos, ou atos, que por si mesmos sejam jurídicos e sim, todos, sejam quais forem, em sentido figurado se dizem jurídicos quando reconstituídos e mentalmente postos em correspondência com determinados critérios de apreciação, mantidos por jurisdição tomada como ponto de referência. (...) Oposto o fato ao direito, em mundos diversos, é claro que, em sentido próprio, não se pode falar em fato, ou ato, jurídico. Fato, ou ato jurídico, é apenas o que é sujeitável (exposto) à apreciação jurídica. O fato, ou o ato, em si mesmo não é jurídico; seu conteúdo nunca é jurídico, e sim seu julgamento é que o é. Jurídico é o que é jurisdicionalmente garantido; jurídico não é o conteúdo, ou a substância: é a forma de proteção oficial do resultado de uma apreciação”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 270, página 504). ATO UNILATERAL – “Não importa que a concessão seja qualificada como ato unilateral do Poder Público. Ainda que ato unilateral, a concessão tem por fim gerar direitos e obrigações, seja em relação ao poder concedente e ao concessionário, seja em relação à indeterminada clientela do serviço concedido, em relação à qual no ato da concessão se estipulam igualmente direitos e obrigações. A Administração não poderá, em caso algum, alterar a equação financeira formulada de comum acordo durante todo o prazo de vigência da convenção. Os benefícios financeiros previstos pelo concessionário e aceitos pelo poder concedente, constituíram o motivo determinante ou a causa, em sentido jurídico, por força da qual o concessionário se decidiu a aceitar os encargos e as obrigações das concessão”. (“Pareceres”, página 327). ATO UNILATERAL DO PODER PÚBLICO – “Incontestavelmente, desde que o Estado, por atos unilaterais, legislativos, regulamentares ou administrativos, modifica a situação de um concessionário de serviço público, tornando-o mais oneroso, é–lhe devida uma indenização. E ninguém poderá dizer que tirar uma das linhas de ônibus de um concessionário que regularmente a obteve, não é tornar mais onerosa a situação do concessionário que a mantinha porque estava obtendo lucros.” (“Pareceres”, páginas 325/326). ATOS DE INTERDITADO – “Já em 1941, na primeira edição de minha obra Comentários ao Código de Processo Civil e na sua segunda edição de 1963, eu afirmava, e torno a afirmar agora, que está estabelecido pela doutrina e pela jurisprudência que os atos juridicamente apreciáveis por direito privado, praticados pelo louco depois de curatelado são nulos de pleno direito, isto é, postergáveis; mas os atos anteriores à interdição são persistentes, isto é, enquanto não forem anulados por sentença judicial, são tidos como válidos, para todos os efeitos de direito: são apenas anuláveis”. (“Pareceres”, páginas 313/314). ATOS PROCESSUAIS – “Todos sabem que os atos processuais tanto podem ser das partes como do juízo, isto é, tanto podem ser do litigante como das pessoas públicas com função no processo: juiz, escrivão, contador, avaliador, oficial de justiça. Por conseguinte, se a prescrição no curso da demanda se originasse da inação voluntária ou negligência do autor, só deviam interromper a prescrição dos atos processuais praticados pelo autor, ou em que interviessem ambas as partes. Posta a prescrição a correr da negligencia do autor não se terá por onde admitir que um despacho do juiz, ou uma certidão, uma conta lançada nos autos pelo escrivão ou pelo contador possa interromper a prescrição, favorecendo o autor e prejudicando o réu.” (“Lições”, páginas 16). ATOS PROCESSUAIS RELEVANTES - “Ao passo que a finalidade do procedimento é precisamente de ordem pública: é a de perfeita apreciação dos fatos ocorrentes, e o escopo do Estado, de necessária imparcialidade, é o de dar razão a quem a tiver. Precisamente por isso não se encontram no processo, como na ordem privada, atos juridicamente indiferentes: todos os atos processuais presumem-se relevantes e esta razão é suficiente para não se permitir que sejam úteis, quando praticado por pessoas que nenhuma pretensão legítima tenham a ser apreciada pelo Poder Judiciário”. (“Do Procedimento de Execução”, 2000, página 05, número 04). AUSÊNCIA - “Ausente é o indivíduo desaparecido de seu domicílio, do qual não se tem notícia, de cuja existência se duvida, e cujos bens ficaram ao desamparo. Não se trata daquele que apenas não está presente, mas que não se sabe onde se encontra. A ausência, propriamente dita, implica incerteza sobre a existência do indivíduo. Por isso mesmo, em nosso direito, no processo de declaração de ausência, distinguem-se uma fase de presunção de ausência e mais duas outras, consecutivas, de declaração de ausência e de presunção de morte”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 154, página 320). AUSÊNCIA DO JUIZ AOS FATOS – “O juiz ouve o que lhe dizem, vê o que lhe mostram e põe-se a refletir sobre reflexões alheias. Mas todo esse reviver, que faz através do reviver de outrem, nunca é um ver diretamente, nunca é a presença. Esta é impossível. É uma substituição da presença; e aqui está a magia: tornar presente o que não é presente. É, portanto, um processar por sinais que significam, mas não são, as coisas significadas; quase um sistema de hieróglifos que o juiz deve traduzir na realidade procurada, e jamais aparecida na sua intangível presença atual”. (“Lições”, página 182). AUSÊNCIA OU NÃO PRESENÇA – “Deve-se distinguir a “não presença” da “ausência”. Basta que não esteja a pessoa em determinado lugar onde sua presença é reclamada para que se tenha a não presença; quando ausente, na técnica jurídica, é aquele que deixou de comparecer no seu último domicílio, ou residência, seja no lugar em que costumava estar, sem que dela haja notícias; é a pessoa cuja habitação se ignora, ou cuja existência se duvida e cujos bens estão em desamparo. (...) Deve-se distinguir a não presença da ausência porque o vulgarmente chamado ausente, pelo simples fato de não estar presente, como acontece com o citado por edital, nunca foi considerado incapaz. Absolutamente incapazes são os ausentes declarados tais, por ato do juiz”. (Em voto relatado em 3 de abril de 1937, publicado na Revista Forense n. 70 (LXX), páginas 335-336). AUTO DE PENHORA - “A falta no auto de penhora das confrontações do imóvel penhorado, e dos nomes do exeqüente e do executado não são formalidades essenciais, não se devendo decretar nulidades quando não há prejuízo de nenhuma das partes”. (Voto vencedor proferido em 16.12. 1936 e publicado na Revista Forense n. 69 (LXIX), página 348). AUTONOMIA DE VONTADE – “Feitas estas observações preliminares, deve agora cuidar-se de saber o que vem a ser o famoso sistema de autonomia de vontade, um dos mais discutidos e dos mais difíceis assuntos jurídicos. Desde logo deve distinguir-se autonomia de vontade de submissão voluntária. Desta falava Savigny, entendo que o indivíduo tem, por exemplo, a liberdade de fixar, ou não, domicílio em determinada nação, mas, desde que o fixa, submete-se voluntariamente ao direito aplicável aos domiciliados. Outro exemplo: qualquer pessoa pode, ou não, adquirir imóveis em determinado país, mas, se os adquirir, submeter-se-á voluntariamente ao direito de propriedade desse país. Qualquer pessoa em vez de contratar no próprio lugar do seu domicílio, pode preferir realizar o contrato em país estrangeiro, e então submeter-se voluntariamente ao direito deste país. (...) Pela expressão de autonomia de vontade, o que se pretende afirmar é que as partes, realizando os seus contratos no lugar onde normalmente costumam realizá-los, se o fato for anormal, poderão escolher, para apreciá-lo, qualquer direito com que esteja em referência, nacional ou estrangeiro. Em vez, portanto, de ser o direito primário indicado pela norma do direito internacional privado, fica sendo escolhido livremente pelas partes, cuja vontade encontrará, então, sobreposta a esta norma”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 226, páginas 427-439). AUTONOMIA DE VONTADE PARA FIXAÇÃO DE DOMICÍLIO - “Em direito não existe a suposta autonomia de vontade (para fixação de domicílio), pois o que há sempre é liberdade concedida pelo direito, e por este limitada. Quando a ordem jurídica deixa à iniciativa das partes o ajuste de seus interesses, na feliz expressão de Caleb, “dá uma autorização em branco à vontade individual, dentro dos limites de disposições imperativas”. Por conseguinte, as partes são livres apenas enquanto se encontrem em situação de fato não regulada imperativamente; e somente neste sentido é que gozam de certa autonomia concedida pelo direito. O exercício da liberdade é limitado por inúmeras disposições imperativas, “e na realidade se reduz à escolha de modelos predeterminados, com a possibilidade de introduzir algumas modificações, como nesses contratos impressos, com claros que devem ser preenchidos à vontade, mas sem alteração fundamental do que está impresso”. (“Dir. Int. Priv.", n. 226, páginas 443/444). AUTORIDADE – “E se a justiça é invariavelmente valor, critério da avaliação de julgamento, com o qual tomamos posição diante dos atos de uma pessoa que possam interessar a outra, é preciso não confundir a noção vulgar de justiça com o seu conceito oficial. Vulgarmente, quando se afirma que a ordem jurídica de um certo povo, em uma certa hora, é justa, ou injusta, o que se pretende dizer é que contém critérios de avaliação de fato do agrado, ou desagrado, geral das pessoas a quem a mesma ordem indiretamente se destina, ou de quem a esteja examinando. Oficialmente, entretanto, em regime de justiça pública, é sempre formalmente justa a ordem jurídica estabelecida. E, para isto se esclarecer, basta voltar à noção de autoridade, que é a faculdade que tem alguém de atribuir valor às suas opiniões só pelo fato de serem suas. (Bobbio)”. (“Lições”, página 123). AUTORIDADE ADMINISTRATIVA – “Por conseguinte, com base nessas Lições de Chiovenda e Carnelutti, pode-se afirmar que as autoridades administrativas e legislativas, por mais altas que sejam, não concretizam a ordem jurídica, e por isso os seus atos não resultam direitos subjetivos propriamente ditos que, no nosso entender, são apenas situações de fato garantidas por decisão judicial. Sem dúvida alguma, observam as leis, aplicam as leis, praticando atos de acordo com as mesmas, mas dessa observância, dessa aplicação, dessa prática, não resultam direitos subjetivos propriamente ditos, sim situações de fato mais ou menos estáveis, mais ou menos garantíveis, que jamais podem ser confundidas com aqueles”. (“Lições”, página 241). AUTORIZAÇÃO MARITAL – “No direito moderno, entretanto, a autorização marital tem o caráter de simples consentimento, razão pela qual autores do vulto de Aubry et Rau, já há muitos anos, terem ido ao ponto de dizer que a validade da autorização marital não é subordinada senão às condições exigidas para a validade de qualquer consentimento em geral, podendo, por conseguinte, ser dada expressa ou tacitamente”. ( Tenção assinado em 5 de agosto de 1940 e publicado na Revista Forense 85 (LXXXV), páginas 708/709). AUTOS DO PROCESSO E O QUE DELE NÃO CONSTA - “Liebman, em magistrais considerações, mostra que as partes são soberanas na resolução de submeter, ou não, a julgamento da autoridade judiciária, o conflito de interesses que surgiu entre elas, e assim também podem oferecer à apreciação oficial apenas uma parte deste conflito. E, para o processo, interessa o que for nele deduzido efetivamente e não importam os outros fatos que possam ocorrer pelo mundo a fora. O jurista, e de um modo geral o processualista, só pode cuidar dos processos efetivamente propostos e das lides que realmente forem levadas, perante os juizes, e na medida em que o forem”. (“O direito no âmago da sentença”, página 20\21). AVAL - “Os co-avalistas não se acham presos entre si por vínculo cambial; cada um dos avalistas é solidário com o emitente, mas as obrigações deles, co-avalistas, são autônomas e independentes entre si, e por isso mesmo a ação de uns contra os outros não é cambial. O que paga não tem direito à ação executiva”. (Volume n. 20o dos cadernos originais na Sala Especial Desembargador Amílcar de Castro, apelação 4.258 da Comarca de Nova Lima, página 11). AVAL DE AVAL - “O caso é de avais simultâneos ou conjuntos, pois evidentemente aval de aval é figura que não se harmoniza com a natureza objetiva e autônoma do próprio aval” (...) “O avalista não assume obrigação alheia ainda que indique a pessoa que garante; mas responde solidariamente pelo pagamento da letra de câmbio. Isso porque avalista não é abonador ou fiador: o aval no dizer Tholl é uma cambial e conseguintemente um saque, um endosso ou um aceite. (...) O avalista garante o pagamento da letra como está claramente escrito no decreto 2.044 e em nenhum ponto da lei diz que o avalista responde pela obrigação do avalizado”. (Voto vencedor na Apelação 6.430 de Cabo Verde, assinado em 21 de maio de 1938 e publicado na Revista Forense 75 (LXXV) (julho de 1938), página 150). AVAL DE AVAL POR PRESUNCÃO – “Donde se conclui que o referido autor (Magarino Torres), expondo a doutrina do “aval sucessivo por presunção” não tem firmeza nas suas asserções: pois se o avalista posterior é co-avalista, equiparado ao avalista anterior e portanto também ao obrigado que este garante solidariamente, o que daí se conclui é que o avalista posterior não é avalista sucessivo, mas sim avalista simultâneo, conjunto. (...) Por conseguinte, no caso dos autos de avais conjuntos, o autor não tem ação cambial para haver o que pretende: os co-avalistas não se acham presos entre si por vínculo cambial; cada um dos avalistas é solidário com o obrigado principal, mas as obrigações deles co-avalistas são autônomas e independentes entre si; a ação entre eles será a civil, ou comercial, conforme a natureza da obrigação principal. (Sentença proferida em 10 de novembro de 1935, publicada na Revista Forense 66 (LXVI), páginas 297- 298). AVALISTAS – “Como todos sabem, o aval não se confunde com o título avalizado: é outro título autônomo. Aval é obrigação cambiária autônoma que visa garantir objetivamente o pagamento da cambial ao titular desta, assumindo o avalista obrigação diversa da do avalizado, e tão diversa que pode até pressupor relações fundamentais diversas nos vários casos concretos. (...) Cancelar ou não cancelar aval é questão que só interessa ao credor e ao avalista. O avalizado e os terceiros credores do avalizado nada têm a ver com isso”. (Acórdão assinado em 5 de abril de 1948 e publicado na Revista Forense n. 118 (CXVIII), página 177). BEM COMUM - ORDEM SOCIAL E ORDEM JURÍDICA – “O que se chama ordem social, são todas as manifestações sociais relevantes, jurídicas ou não, da vida de uma nação. Não se trata de noção jurídica, sim social; e não há confundir ordem social com ordem jurídica. A ordem social não é compreendida pelo direito; ao contrário, abarca-o. Transcende os confins da dogmática jurídica, atinge as condições de vida, envolvendo todos os fins sociais, não apenas regras jurídicas desta e daquela espécie. Ordem social são os preconceitos informativos do viver em grupo, ou patrimônio inquebrantável de um povo, com reflexo de seus costumes e tradições, de suas idéias políticas, econômicas, morais, religiosas, jurídicas em determinada época. É o bem comum”. “Lições”, página 160). BENEFICIÁRIO DO ÔNUS E A EXTINÇÃO DESTE– “Deve, pois, ficar bem claro que a arrematação que extingue o ônus real de garantia é a que se faz em execução promovida pelo beneficiário do ônus, a execução sendo feita por terceiro, a arrematação por si não opera aquela extinção, a menos que o devedor esteja insolvente. No caso de insolvência do devedor, o credor quirografário e o sub-hipotecário, tendo direito à sobra, não podem ficar à mercê da inatividade do primeiro credor hipotecário. E o Estado, devendo também proteção ao interesse daqueles, não pode deixar de alienar o imóvel a requerimento de qualquer deles, contra a vontade do primeiro credor hipotecário, para apurar a sobra a que os mesmos tenham direito e por esta razão, intimado o primeiro credor hipotecário não poderá o mesmo voltar-se contra o arrematante, ainda que não tenha sido coberto o seu crédito pelo preço da arrematação”. (“Do Procedimento de Execução”, n. 420, páginas 236/237). BENEFÍCIO DE EXCUSSÃO – “Benefício de excussão, ou benefício de ordem, é o direito que tem o fiador de exigir que, antes dos seus, sejam excutidos os bens do devedor. Esse benefício pode ser invocado tanto no processo de conhecimento como no processo da execução, entretanto muda de feição de um para outro momento. Assim, no processo de conhecimento é uma exceção dilatória, tendente à declaração de carência da ação, influindo, portanto, no julgamento da demanda; no processo da execução tem o mesmo caráter dilatório, mas tende a desviar os atos executivos dos bens do fiador”. (“Do Procedimento de Execução”, n. 27, páginas 13/14)”. BENS - “Em direito, bens não são valores das coisas úteis, mas das coisas apropriáveis. O ar e o sol são úteis, e até indispensáveis à vida, mas seus valores não são bens, porque não podem ser objeto de apropriação. A princípio só os valores das coisas corpóreas eram tidos como bens, mas depois o progresso da vida jurídica deu compreensão mais ampla ao vocábulo, que passou a abranger o valor de tudo o que é elemento de fortuna ou de riqueza susceptível de apropriação, em proveito do indivíduo. De tal arte, atualmente, a palavra bens compreende valores de toda espécie, como por exemplo casas, terras, móveis, créditos, rendas, direitos de autor, patentes de invenção, nome e clientela do comerciante. Os bens, portanto, podem ser de valores de coisas corpóreas, de existência verificável pelos sentidos, principalmente o do tato (quae tangi possunt) e podem ser também valores de coisas incorpóreas, de existência não reconhecível pela vista, ou por apalpação (quae tangi non possunt), não podendo ser apanhadas senão pela inteligência (solo iuris intelecter consistun)t”. (“Dir. Int. Priv.", n. 213, página 422). BENS SÃO REALIDADES JURÍDICAS – “Bens não são as coisas, mas os valores que destas se podem obter: são realidades jurídicas. Assim como as pessoas não existem na realidade material, como seres vivos, assim os bens são realidades conceituais, criações do espírito, que se vêm superpor a situações realmente existentes. As coisas e os bens, assim como os indivíduos e as pessoas, encontram-se em campos diferentes: as coisas e os indivíduos no plano material (concreto); os bens e as pessoas no mundo jurídico (abstrato). E se bens são valores que se podem encontrar nas coisas, não se deve confundir estas com aquelas. (...) A palavra bem exprime, portanto, uma abstração: a idéia do valor que a coisa representa”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 211, página 420). BÍNUBA – “De tal sorte, a bínuba, embora perca todos os outros direitos inerentes ao pátrio poder, conserva os que advêm do fato de ter o filho em sua guarda, como seja reclamá-lo de quem ilegalmente o detenha, exigir que lhe preste obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição ficando, ipso facto, responsável pela reparação civil se o menor praticar ato ilícito. (...) Na verdade Clovis Bevilaqua afirma que a mãe pode ser nomeada tutora, mas para isto precisa sustentar que se trata de tutora dativa, isto é, que só pode ser nomeada pelo juiz na falta de parentes consangüíneos do menor”. (“Voto assinado em 20 de novembro de 1937 e publicado na Revista Forense n. 75 (LXXV), página 154). BOA-FÉ – “As normas e formalidades processuais são estabelecidas como garantias dos direitos das partes, e não podem ser convertidas em meios de burlar esses mesmos direitos. As partes tem o dever de facilitar ao juiz o seu trabalho de investigação da verdade, atuando no processo honrada e diligentemente; se a lei não exige expressamente que movam a causa de boa fé, exige implicitamente, conforme a doutrina e a jurisprudência que se conduzam lealmente no litígio”. (Voto vencedor no acórdão publicado no jornal Minas Gerais, Órgão Oficial do Estado, de Março de 1938). BOA FÉ PROCESSUAL – “Note-se que a vítima do ilícito processual não precisa, ao menos, provar dolo ou culpa da parte vencida, para acioná-la por perdas e danos. Para se caracterizar o que chamamos ilícito processual, não há necessidade de má-fé ou de animus nocendi. Nesse sentido é magistral a lição de Eduardo Espínola: “seja a lide propriamente maliciosa, instaurada de má-fé, ou apenas temerária, por efeito de imprudência, erro grosseiro ou ignorância inescusável, o ressarcimento do dano causado se impõe em toda sua plenitude”. (...) No dizer de Rossel, o elemento subjetivo (intenção de abusar) não é decisivo, mas sim o elemento objetivo: exercício de direito contrariamente às regras de boa-fé e sem que implique a defesa de um interesse digno da proteção jurídica. O que há necessidade de provar-se é que o ilícito processual causou um dano efetivo”. (“Pareceres”, páginas 138-139). BOLONHA, ESCOLA DE – “Essa escola de Bolonha fundada por Irnerius é a denominada escola dos glosadores, que deve sua força original ao método exegético adotado pelos lombardos, método que, penetrando nas minúcias, mediante glosas explicativas, breves notas interlineares ou marginais, levava a abarcar e dominar todo o Corpus Juris. Assim, confrontavam os textos, e elevavam-se acima da respectiva letra, desfazendo contradições, pondo em íntima relação matérias afins, e colocando cada pormenor em seu devido lugar, conseguindo completa e harmoniosa inteligência do conjunto”. (“Dir. Int. Priv.", n. 59, página 137). BONS COSTUMES – “A expressão bons costumes é equivalente à ordem moral. No dizer de Clovis Bevilaqua, trata-se de “regras objetivas de proceder nas relações domésticas e sociais, em harmonia com os elevados fins da vida humana, cuja ofensa mais direta fere os nossos sentimentos de honestidade, recato e estima recíproca”. Entretanto para que o uso jurídico estrangeiro seja visto como contrário aos bons costumes indígenas, não precisa ser infringente de disposição de lei, uma vez que é ilícito não só o que é ofensivo ao estatuído por lei, como o que é afrontoso aos bons costumes não escritos. O critério para considerá-lo ofensivo, “deve ser baseado nos fatos, e não em teoria” (Coviello), sendo por isso mesmo um dos perigosos poderes de que dispõem os tribunais. Nesse sentido Planiol & Ripert apontam a possibilidade de ser exercido por homens apaixonados, por moralista severos, ou espíritos sectários, para lembrar que a liberdade individual pode, nesses casos, correr perigo”. (“Lições”, páginas 173\174). BUSTAMANTE, CÓDIGO - “De passagem, a respeito do Código Bustamante deve notar-se que o direito internacional privado oriundo de tratados (convencional), precisamente por ser resultante de transações políticas internacionais, em grande parte, não vinga. Nesse sentido, lembra Arminjon que a maioria das repúblicas sul-americanas, em 1889, já havia, em Montevidéu, estipulado um código de direito internacional privado, e ao que se saiba tal código nunca foi observado; igualmente, Niboyet vaticina o desuso do Código Bustamante. E, para se ver que esses autores têm razão, basta considerar que, no Brasil, este Código foi, em 1929, imposto por dois decretos, um legislativo, outro executivo, e no ano de 1942 fez-se a reforma do sistema geral, com adoção de regras diversas das que naquele se contêm, sinal evidente de que a tendência do direito brasileiro é diversa da que orientou a confecção do referido Código, que, mais cedo, ou mais tarde, acabará por ser abandonado”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 138, página 303). CAMBIAL - “Depois de prescrita a ação cambial, o credor tem ainda a ação de locupletamento, pela via ordinária”. (Revista Forense, 77 (LXXVII), página 336. Acórdão assinado em 1.12.39). CANCELAMENTO DE ENDOSSO – “E, em falta de prova de má-fé, nada tem de anormal o cancelamento dos endossos; é isso perfeitamente lícito, e de prática diária; o cancelamento de endosso, ou do aval, torna somente sem efeito o endosso, ou o aval cancelado, permanecendo em vigor as outras declarações cambiais anteriores”. (Revista Forense n. 67 (LXVII), página 335, como Relator do Acórdão 5.987 assinado em 1o.04.1936). CAPACIDADE - “Capacidade é vocábulo equívoco, de mais de um significado jurídico. Vários autores, principalmente alemães, falam em capacidade de gozo e de exercício; ou de agir. Isto salientamos para advertir que vamos cuidar exclusivamente da habilitação da pessoa para os atos da vida civil, que é a capacidade de exercício, ou de agir. Trata-se de requisito normal, para que se julgue válida a manifestação de vontade; sempre apreciável pelo direito público euremático. (...) Capacidade é o poder conferido pela ordem jurídica de manifestar validamente a vontade. Nem todas as pessoas de suporte humano têm capacidade, porque sua concessão depende de certo grau de desenvolvimento físico e mental, que o indivíduo pode não ter, ou ter incompleto, e por isso os incapazes o são absoluta ou relativamente.” (“Dir. Int. Priv.”, n. 166, páginas 350 e 351). CAPACIDADE NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - “Colocadas, assim, as coisas nos seus devidos lugares, já ficará mais fácil desenvolver o assunto, mas antes é ainda preciso lembrar que a questão da capacidade nem sempre se encontra bem encaminhada na esfera do direito internacional privado; e isto porque os doutrinadores em geral não distinguem estas duas questões inconfundíveis: a de efeito internacional do direito adquirido, e a do direito internacional privado. Tratando-se da primeira, o de que se cuida é saber se o ato jurídico praticado no estrangeiro deve, ou não, ser recebido como válido e operante no fórum; e portanto se capacidade, ou incapacidade, atribuída por uma jurisdição deve, ou não, ser respeitada por outra jurisdição”. (“Lições”, página 61). CASAMENTO É UM CONTRATO? - “Contrato é noção jurídica, e não de fato. A priori, por exemplo, nada impede que se estabeleça que o casamento seja visto como contrato, precisamente porque não há entidade “casamento”, nem entidade “contrato”, que sejam incompatíveis. Por isso mesmo, nota Bobbio que é insolúvel, porque é destituída de sentido, a questão de saber se o casamento é, ou não, um contrato, uma vez que juridicamente tanto pode ser, como pode não ser. Tudo dependerá do que for estabelecido por determinado sistema jurídico, não podendo a questão, de modo algum, ser resolvida in vacuo. A ordem jurídica não se encontra no mundo natural, que é o dos fatos; é conceito sociológico, do mundo dos valores”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 94, páginas 223/224). CASO CONCREITO – “E se, em caso concreto, o fato anormal sempre se encontra estabelecido, ou fixado, num meio social, disso se segue que cada autoridade judiciária, nos limites do seu poder, assim como aprecia autônoma e soberanamente os fatos normais que lhe sejam apresentados, deve também poder apreciar do mesmo modo os fatos anormais que deva oficialmente averiguar. De outra forma não seria independente, (...) Deve-se portanto, ficar assentado que, em caso concreto, cada fato anormal só pode pertencer a uma jurisdição; não pode ser apreciado in vacuo, fora do tempo e do espaço, nem em duas ou mais jurisdições ao mesmo tempo, e sempre necessariamente o governo da jurisdição para onde gravite pode julgá-la com autonomia, mesmo porque o julgamento será válido nessa jurisdição (forum). Forum é a jurisdição onde se pressupõe deva ser apreciado o fato, palavra latina que significa também praça pública, lugar das assembléias públicas e dos tribunais; administração da justiça, foro, jurisdição; e como sinônimo de jurisdição indígena é que está sendo e será empregada”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 20, páginas 40-41). CIRCUNSTÂNCIAS – “Evidentemente cada indivíduo se apresenta com coeficiente peculiar, mas o que não menos evidentemente se afirma é que esse coeficiente não poderia sair do nada, ou substituir per se: é sempre produto do passado e do meio ambiente. Veja-se bem que “o indivíduo não é senhor de si, porque nem pode expandir-se como queira, nem pode permanecer em recolhimento como se o mundo não existisse (Pacchione)”. Todos os homens trabalham, vivem, pensam, abstratamente uns aos outros, pouco importando estejam mais, ou menos, materialmente aproximados, ou afastados ou conheçam-se ou não, mantenham relação de amizade ou estejam em guerra. Spykman chega a afirmar que as relações internacionais são mais íntimas na guerra do que na paz”. (“Lições”, página 115). CITAÇÃO - “Como está escrito na lei, e é muito sabido, a citação inicial só pode ser feita ao procurador quando a este sejam conferidos poderes especiais para tanto, pois mesmo a procuração “para receber toda e qualquer citação” não contém poderes para receber citação inicial. Os poderes da procuração podem ser expressos, sem ser especiais, e, conforme a lição de Aubry e Rau, quando a lei exige para celebração de um ato, mandato especial este deve mencionar nominalmente o negócio em razão do qual foi dado. Não é bastante determinar a natureza do ato, deixando ao mandatário a liberdade de fazer uso do poder outorgado todas as vezes que lhe aprouver”. (“Pareceres”, página 179). CIVILISMO - “Civilismo é a corruptela, consistente em transportar as regras e a técnica do direito civil para os outros setores da ordem jurídica. Inumeráveis cultores do direito civil, enlevados pela sua ciência, formam concepção civilista dos outros ramos do direito, na ilusão de que o direito civil domina tudo, abrange tudo e pode penetrar com suas regras e seus métodos em toda parte. E essa tendência tem sempre entravado o progresso do direito”. (“Lições”, página 51 e “Dir. Int. Priv.”, n. 37, página 87). CIVILISMO EM DIREITO PÚBLICO – “Por outro lado, como foi notado pelo grande internacionalista Wolff, até o começo do século XX os princípios gerais de direito, quase todos, foram desenvolvidos na esfera do direito civil, porque os direitos de muitas nações civilizadas se originaram do direito romano, e os romanistas que haviam desenvolvido admiravelmente a doutrina do direito civil, tinham-se descuidado inteiramente do estudo do direito público. Então foi se formando a convicção de que os princípios gerais de direito civil eram princípios de gerais de direito, e todas as concepções jurídicas deviam ser dominadas pelo direito civil ainda que estivessem fora de seu campo. Assim nasceu o civilismo como parasita, cipó-de-chumbo, erva-de-passarinho em todos os ramos do direito; e tem se manifestado no direito comercial, no direito do trabalho, no direito administrativo, no direito financeiro, no direito processual, no direito penal, no direito constitucional e até no direito das gentes”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 37, página 88). CIVILISMO IDÉIA INVASORA DE OUTRAS ÁREAS – “Os autores que têm concepção privatística do direito internacional privado estão como aqueles que consideram a ação como elemento da relação jurídica de direito privado, ou melhor, como o próprio direito privado em sua tendência à atuação. E assim como há alguns processualistas retardatários, que ainda não conseguiram conceber a ação como situação jurídica concreta de direito público, há também cultores do internacional privado a insistir em confundi-lo com direito privado. Do que foi até aqui exposto, se vê que o direito internacional privado é direito sobre direito, direito de sobreposição, ou super-direito, mas isso não significa que seja direito supraestatal, de âmbito universal, pois é direito público próprio de cada jurisdição autônoma, de âmbito reduzido à sua jurisdição estatal”. (“Lições”, página 53). CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS – “Por conseguinte, se a doutrina e a jurisprudência já estabeleceram que, por equidade, a mal denominada cláusula rebus sic stantibus permite se alterem as obrigações contratuais, por força de maior razão, não pode deixar de acontecer isso mesmo nas relações entre a associação civil e o associado, que não são contratuais. Por força de maior razão, porque, no contrato há partes antagônicas, na associação não; no contrato, a reciprocidade das prestações não é a mesma que aparece nas associações; no contrato a regra é igualdade entre as partes, enquanto na associação há desigualdade entre a mesma e os sócios; a autoridade é incompatível com o contrato e é elemento da associação”. (“Pareceres”, página 170). CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA - “A validade da cláusula compromissória é muito discutida no plano internacional; as opiniões divergem conforme a vontade das partes haja sido manifestada anterior ou posteriormente ao acontecimento do fato litigioso. No dizer de Morelli, é preciso, para a solução do problema específico, dar relevância a essa diferença cronológica, distinguindo-se entre a cláusula compromissória e o compromisso. (...) E na verdade, desde que as normas sobre os limites da jurisdição são inderrogáveis pela vontade dos particulares, e é inadmissível a renúncia preventiva da ação, deve negar-se qualquer efeito à cláusula compromissória para arbitramento no estrangeiro, tanto na hipótese da competência nacional exclusiva quanto da concorrente”. (“Pareceres”, página 217/218). CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA VISA O FUTURO - “Enquanto o compromisso visa o passado, a cláusula compromissória mira o futuro, ao firmarem compromisso, as partes já dispõem de elementos para saber se lhe convém abandonar a justiça pública para confiar no julgamento de determinada causa, a determinada pessoa; ao passo que, ao obrigar-se pela cláusula compromissória, o contratante nem sabe qual seja o litígio que vai surgir, nem conhece os árbitro que vão servir”. (“Pareceres”, página 218). CLÁUSULA DE IMPENHORABILIDADE - “Credor por dívida contraída antes ou durante a vigência das cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade não pode ser pago pelo valor dos bens gravados, ainda após a extinção dessas cláusulas”. (Volume 19 dos cadernos originais, apelação 3.848 de Belo Horizonte, página 291)”. CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE DE BENS - “As cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, impostas pelo testador a doador, não dependem de averbação, que só se faz para o efeito de publicidade. (...) Em direito processual fala-se de alienação de bens do executado em fraude à execução, mas não se conhece aquisição de bens pelo executado em fraude à execução”. (Revista Forense 91 (XCI), página 461 a 465, setembro de 1942, Acórdão 5.953 de Horizonte, assinado em 15.09.41). CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE E A SUB-ROGAÇÃO - “A inalienabilidade, que é uma condição anormal dos bens, uma exceção à sua movimentação econômica, e ao mesmo tempo uma restrição imposta ao direito de propriedade, pode, em certos casos, se tornar injusta, opressiva, e até contrária aos interesses da pessoa em cujo favor haja sido instituída. Precisamente por isto, a disposição legal que permite a sub-rogação real interessa à ordem pública, razão pela qual não pode ser afastada pela vontade do testador ou do doador. Porque a inalienabilidade imobiliza os bens, impedindo a circulação normal das riquezas, é anti-econômica do ponto de vista social; e proibir a vontade do particular à sub-rogação, que a lei permite, é despotismo que a lei não recomenda”. (Pareceres”, páginas 131\132). CLÁUSULA DE INCOMUNICABILIDADE – “Sendo o pacto o da comunhão o regime de bens do casal, o marido só pode transferir o vínculo de incomunicabilidade para bens que, por ordem do juízo, adquirira já gravados com essa cláusula; e nunca pode essa ordem ser dada a respeito de bens da mulher casada sob o regime de comunhão de bens, sendo o seu adquirente o marido, sob pena de consentir na alteração daquele regime, o que é expressamente vedado por lei”. (Revista Forense 95 (XCV), por 117/118 – julho de 1943 – Acórdão da Comarca de BH assinado em 07.13.43). CLÁUSULA ONEROSA NÃO INSCRITA – “Deve-se, pois, ter por certo que o vigor das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, independe de averbação no registro de imóveis, ou de alegação do beneficiado. Tal averbação é apenas meio de publicidade, resultando de sua falta uma presunção de boa fé por parte de terceiros, adquirindo ou penhorando tais bens, mas não direito de terceiros de adquirirem bens inalienáveis ou de fazer penhorar bens impenhoráveis. Esta presunção de boa fé, porém, só poderá existir quando os bens estiverem transcritos em nome do adquirente, e apenas, se não estiver averbada a cláusula”. (Voto lançado em 29 de dezembro de 1941 e publicado na Revista Forense n. 91 (XCI), página 462.). CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO 1973 - “Por essas razões, parece que o novo Código incide em retrocesso doutrinário, onde insiste em observar técnica há muito temo, há quase um século, virtualmente desaconselhada. Assim, nos oitos primeiros capítulos do Livro IV, onde estiver escrito ação, deve-se ler “procedimento”. (“Reparos sobre a Jurisdição e Ação”, separata da Revista Forense, página 39). COISA CORPÓREA – “É sabido que das coisas corpóreas, umas têm valor intrínseco, ou independente de qualquer convenção, enquanto outras não têm esse valor e valem apenas pelo fato de nelas se encontrar incorporado um direito, por forma que quem tem a coisa tem o direito. E quando isto acontece, a coisa corpórea que em si mesma considerada, não teria valor apreciável (um pedaço de papel em branco, por exemplo), adquire valor na medida do direito que lhe está ligado (uma promessa de pagamento, por exemplo, lançada naquele mesmo pedaço de papel). Assim os títulos de crédito e as ações de sociedades comerciais, onde se encontram ligados ao documento, ou um direito de crédito, ou os direitos de sócio, de tal sorte que quem tem a propriedade do documento tem o crédito, ou os direitos de sócio, oponíveis ao devedor ou a determinada sociedade”. (“Lições”, páginas 36/37). COISA JULGADA – “Carnelutti, falando sobre o conteúdo da coisa julgada, ensina que “a resolução de uma questão diz respeito ao conteúdo do julgado, enquanto o caráter prático do julgado, que é a decisão total ou parcial da lide, transforma aquele conteúdo em afirmações ou negações de efeito jurídico”. A importância dessa observação se explica sobretudo por isto: que são compreendidas no julgado não só as questões tratadas, mas todas as questões cuja solução é necessária para a declaração, a constituição, ou a modificação do efeito jurídico produzido pela sentença. Os confins do julgado são assinalados, por outras palavras, pelo efeito jurídico declarado, constituído ou modificado; não pelas questões resolvidas. Assim se explica a noção do chamado julgado implícito: o julgado cobre todas as questões supracitadas ainda que não sejam explicitamente resolvidas. Se, por exemplo, o juiz declara a nulidade de um contrato, sem limitação alguma, não sobrevive ao julgado qualquer questão relativa à validade, ainda que não haja sido discutida pela parte e examinada pelo juiz.”. (“Pareceres”, página 114). COISAS TANGÍVEIS – “No direito inglês encontra-se claríssima distinção entre as coisas moveis tangíveis, denominadas choses in possession e as coisas incorpóreas, denominadas choses in action, mostrando a doutrina inglesa que se pode ter direito de propriedade e posse a respeito do papel ou documento em que está redigida a obrigação, e neste caso o título é tido como chose in possession, enquanto o direito a que se refere o título é sempre chose in action. E utilizando essa distinção e essa denominação, pode-se afirmar que de títulos nominativos, à ordem ou ao portador, só se pode falar a respeito do documento como chose in possession, e não do direito referente ao documento como chose in action, que é. O título, o documento, o papel, passa do primeiro proprietário para os subseqüentes, sem que se altere o direito nele referido, oponível sempre ao emitente, como por exemplo, uma promissória sucessiva endossada”. (“Lições”, páginas 39/40). COLAÇÃO – “Não há confundir redução inoficiosa com colação; enquanto a colação se destina a restabelecer a igualdade das legítimas dos herdeiros necessários (ainda que as liberalidades se contenham no âmbito da metade disponível do doador), a redução tem a finalidade de fazer com as liberalidades se contenham dentro da metade disponível, quer beneficiem algum herdeiro, quer favoreçam um estranho. A redução tem por finalidade a tutela da reserva, ao passo que a colação visa tutelar a igualdade das legítimas”. (“Pareceres”, página 337). COLIGACÃO DE SOCIEDADES – “A coligação das sociedades não constitui per se ato fraudulento, conquanto se preste freqüentemente à fraude. Em tais condições a possibilidade de empréstimos recíprocos entre sociedades imbricadas, decorrente da separação de seus patrimônios e da persistência de suas personalidades, não pode ser condenável em qualquer hipótese. E, se as sociedade se prevalecerem dessa possibilidade para praticarem atos fraudulentos em prejuízo de terceiros, especialmente do Fisco, devem ser encontrados remédios jurídicos contra esse mal, que aliás pode emanar de sociedades não coligadas, ou de pessoas físicas”. (“Pareceres”, página 81). COMERCIANTES IRREGULARES - “Conforme ensina Carvalho de Mendonça, a lei reconhece a existência de sociedades irregulares, considerando-as comerciantes, sujeitando-as à falência e neste caso respondendo-lhes o patrimônio próprio, para evitar confusão com o patrimônio dos sócios (...) Por outro lado, nas sociedade irregulares, os sócios ainda que ocultos embora subsidiariamente, como fiadores, respondem ilimitada e solidariamente pelos débitos da sociedade, ainda que outra cláusula seja convencionada entre eles”. (Voto vencedor assinado em 12 de setembro de 1936 e publicado na Revista Forense de novembro do mesmo ano). COMÉRCIO – “As condições de exercício de comércio e a capacidade para comerciar são noções distintas, pois a capacidade é apenas uma dessas condições. A profissão mercantil pode ser proibida a certas pessoas capazes de praticar atos de comércio. Assim os juizes, pessoas plenamente capazes, não podem comerciar, conquanto possam emitir notas promissórias, aceitar duplicatas ou letras de câmbio. Vale dizer: não podem os juizes fazer da mercancia profissão habitual. As condições de exercício do comércio devem ser ditadas sempre pelo direito do lugar onde de pretende exercê-lo. A capacidade de praticar ato e comércio válido já é questão distinta”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 244, página 471). COMINAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE MULTA – “Na sentença ora apreciada não há condenação em multa diária. A exeqüente supõe que haja porque está confundindo cominação de multa com imposição de multa ou condenação à mesma. Aliás a multa é cominada para o caso de não cumprir o devedor a obrigação de fazer. Por conseguinte, para que o Poder Judiciário imponha a multa cominada, preciso é que verifique e declare que o réu não cumpriu a obrigação. Cominação não é imposição: é sim ameaça de imposição, e ameaça é apenas promessa. Ameaçar é prometer castigo. Cominatório é o que envolve ameaça para o caso de infração. Multa cominatória é a que deve aplicar-se no caso de infração”. (“Pareceres”, página 302). COMMON LAW – “No sistema do common law o juiz cita casos julgados, raciocina sobre os mesmos, e neles se funda, referindo-se às leis apenas para iluminar os referidos casos; no sistema romano, o juiz cita leis, raciocina sobre as mesmas e nelas se apóia, invocando a jurisprudência apenas para mostrar o verdadeiro sentido das leis. Por conseguinte, num e noutro sistema, os casos julgados, ou as leis, são as fontes primordiais de critérios de julgamentos, mas em ambos os sistemas o papel do juiz é o mesmo. No do common law, interpreta a jurisprudência e as leis; no romano interpreta as leis e a jurisprudência. Vale dizer: sempre julga as leis e os precedentes, em sua função criadora do direito.”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 49, página 115). COMORIENTES – “A morte natural pode ser acompanhada da certeza do momento em que se verificou, mas pode também haver certeza do óbito e incerteza do momento em que ocorreu; e nesta última hipótese, quando dois indivíduos falecem num mesmo desastre (incêndio, naufrágio, queda de avião), e não se dispõem de recursos para estabelecer qual deles morreu primeiro, só pode ser resolvida a questão por presunções, variáveis de uma para outra ordem jurídica. Pelo direito brasileiro, por exemplo, presume-se a simultaneidade das mortes; enquanto pelo direito inglês, presume-se a sobrevivência do mais moço”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 147, página 315). COMPETÊNCIA DA COMPETÊNCIA - “A competência para as competências de que se está tratando, como característica da soberania, desenvolve-se em esfera muito mais elevada, no estabelecimento das competências em abstrato ao passo que a verificação da competência judicial pelo próprio juiz da causa se explica como poder constituído, em torno de caso concreto, a respeito exclusivamente da competência judiciária, já soberanamente distribuída em abstrato. Trata-se de assuntos totalmente diversos: os juízes submissos à Constituição, não têm o poder (competência) de definir sua própria competência, sim apenas verificam e declaram como se encontra a mesma constitucionalmente definida”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 06, página 06). COMPOSSUIDORES – “A regra legal é esta que cada condômino-compossuidor pode exercer sobre a coisa comum atos possessórios, contanto que esses atos não excluam os dos outros compossuidores. Lobão, citado por Lafayette, já dizia muito acertadamente: o sócio que é molestado na posse da coisa comum, ou que é dela excluído, pode invocar contra esse sócio o remédio de força turbativa ou espoliativa. (...) É verdade que interpretando mal essa lição de Lobão, a nossa jurisprudência, a princípio, se orientou no sentido de que, seja qual for o ato possessório pela primeira vez praticado pelo compossuidor, é incompatível com a indivisão porque exclui a posse dos outros compossuidores, entretanto, mais tarde, a nossa jurisprudência se orientou com acerto no sentido de que o compossuidor que primeiro se localiza em lugar vagão no imóvel é que deve ser considerado como possuidor e não que depois dele nesse lugar pretenda se estabelecer”. (Voto como relator,apelação de 23 de março de 1942 e publicado na Revista Forense n. 92 (CXII), página 147). COMPRA E VENDA – “Relativa a imóveis é a promessa de compra e venda, não ação, que só se destina a desfazer essa promessa, que é um contrato. (...) A ação rescisória de contrato, indiscutivelmente, deve ser proposta no domicílio do réu, ainda que o contrato verse sobre imóvel”. (Revista Forense 154 (CLIV), página 293 – Voto assinado em 06.04.1953) COMPRA E VENDA DE COISA ALHEIA - “Estando o adquirente de boa fé, e adquirindo mais tarde o vendedor o domínio, considera-se revalidada a transferência, e operado o efeito da tradição desde o momento do seu ato”. (Revista Forense, 94 (XCIV), página 86. Acórdão na apelação 1407 de Barbacena assinado em 26.X.42) COMPRADOR E A RESERVA DE DOMÍNIO - “Estipulada a reserva de domínio, e entregue a posse direta da coisa vendida ao comprador, o vendedor retém o domínio apenas no interesse do integral pagamento do preço. O vendedor permanece dono, privado do uso e gozo da coisa, enquanto precisar ser garantido. Na venda a prestação, desde o pagamento da primeira, a obrigação do comprador vai diminuindo progressivamente, até que, pelo pagamento da última, se extingue. Vale dizer, durante o prazo da compra e venda não existe condomínio, pois o domínio não vai sendo adquirido aos poucos pelo comprador; ser-lhe-á totalmente transferido pelo pagamento da última prestação”. (“Pareceres”, página 93). COMUNHÃO DE BENS – “No regime de comunhão de bens, há um patrimônio coletivo sem personalidade. Marido e mulher são indistintamente titulares dos bens que entram para esse patrimônio do casal, sem que nenhum deles tenha direito atual a uma quota que possa ser objeto de alienação ou possa dar lugar à ação de divisão e sem que seja possível determinar concretamente a participação dos cônjuges no ativo ou passivo desse patrimônio sem uma prévia liquidação. (...) De tal sorte, no regime de comunhão, é juridicamente impossível um dos cônjuges transferir domínio a outro, isso porque o adquirente é condômino dos bens que vão ser alienados, e no mesmo instante da transferência os bens alienados tornam a ficar comuns (...) Sendo assim, no regime de comunhão o marido só pode transferir o vínculo de incomunicabilidade para bens que, por ordem do juízo, adquira já gravados com essa cláusula. E essa ordem nunca pode ser dada a respeito dos bens da mulher casada sob regime de comunhão de bens, sendo adquirente o marido, sob pena de se consentir na alteração daquele regime, o que é expressamente vedado pela lei”. (Acórdão assinado em 7 de dezembro de 1942 e publicado na Revista Forense, n. 95 (XCV), página 117). COMUNHÃO HUMANA - “Ihering, em páginas memoráveis, desenvolve admiravelmente a tese de que cada indivíduo existe para a Humanidade. Em seu expressivo dizer, não há vida humana que só para si exista; toda vida existe a um só tempo para o mundo; cada homem, por ínfimo que seja o lugar que ocupe, colabora em interesse da Humanidade. Nem se pode conceber existência humana tão humilde, tão oca, tão estreita e tão miserável que não aproveite a outrem. Ninguém existe só para si, nem tão pouco por si só; cada um existe para os outros, e pelos outros, intencionalmente ou não. Assim como o corpo reflete o calor que recebeu de fora, assim também o homem espalha em torno de si o fluido intelectual, ou moral, que aspirou na atmosfera social ”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 339, página 590). COMUNIDADE HUMANA – “Evidentemente cada indivíduo se apresenta com coeficiente peculiar, mas o que não menos evidentemente se afirma é que esse coeficiente não poderia sair do nada, ou subsistir per se: é sempre produto do passado e do meio ambiente. Veja-se bem que “o indivíduo não é senhor de si, porque nem pode expandir-se como queira, nem pode permanecer em recolhimento como se o mundo não existisse (Pacchione)”. Todos os homens vivem, pensam, trabalho, abstratamente vinculado uns aos outros, nada importando estejam mais, ou menos, materialmente afastados, ou aproximados, conheçam-se ou não, mantenham relações de amizade ou estejam em guerra. Spykmean chega a afirmar que as relações internacionais são mais íntimas nas guerra, do que na paz”. (“Lições”, página 115). COMUNIDADE HUMANA E ALEX CARREL - “No entender do grande mestre Alex Carrel, a comunidade humana compõe-se de vivos, de mortos e dos que ainda não nasceram; o grupo social é mais que a soma dos indivíduos que o formam, porque compreende não somente os vivos, mas também os mortos, e os que vão nascer; o homem isolado, independente, nunca existiu: dependemos inteiramente dos outros homens, dos que vivem conosco, e sobretudo dos que nos precederam. Robson Crusoé não teria sobrevivido sem o auxilio das ferramentas, dos objetos e das armas que encontrou: ainda em sua solidão, era beneficiário dos esforços de outros homens. Também para Duguit, a humanidade se compõe mais de mortos do que de vivos. E é célebre a frase de Comte: “os vivos são sempre e cada vez mais, governados pelos mortos”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 339, página 591). CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO – “O que ensinam os melhores tratadistas é que a concessão de serviço público é incontestavelmente uma convenção, convenção complexa, que compreende duas categorias de cláusulas inteiramente diferentes: contratuais e regulamentares. E nas cláusulas contratuais, expressas ou implícitas, o poder concedente não pode tocar sem se responsabilizar. A concessão não é um contrato apreciável pelo direito privado. O concedente pode modificar as condições de exploração do serviço, tais como foram determinadas pelas cláusulas regulamentares no ato de concessão. Isto se alguém põe em dúvida. Os órgãos públicos são, antes de tudo, incumbidos de assegurar o funcionamento do serviço nas melhores condições possíveis; e por conseguinte, têm não somente o poder, mas também o dever de intervir para realizar todas as modificações necessárias ao seu bom funcionamento”. (“Pareceres”, página 322). CONFINS DO JULGADO - “São compreendidos no julgado não só as questões tratadas, mas todas as questões cuja solução é necessária para a declaração, a constituição, ou a modificação do efeito jurídico produzido pela sentença. Os confins do julgado são assinalados, por outras palavras, pelo efeito jurídico declarado, constituído ou modificado: não pelas questões resolvidas. Assim se explica a noção do chamado julgado implícito: o julgado sobre todas as questões supra citadas ainda que não sejam explicitamente resolvidas”. ( “Pareceres”, página 114). CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO – “No dizer de Francisco Campos, seja qual for a qualificação jurídica que se dê ao ato de concessão - ato unilateral, contrato de direito civil, ou contrato de direito administrativo – o senso comum está a indicar, de maneira direta, imediata e inequívoca que, sendo voluntária a colaboração do concessionário com o Poder Público, e o primeiro só se dispondo a prestar a sua colaboração mediante condições financeiras definidas, uma vez que o poder concedente as aceite para vigorar durante todo o prazo da concessão, não poderá mais alterá-las unilateralmente, ou sem o acordo, a aquiescência ou o consentimento do concessionário”. (“Pareceres”, página 327). CONCURSO DE CREDORES – “Ora, sem dúvida nenhuma, o concurso de credores é um novo juízo, autônomo, com objeto próprio, distinto da execução, uma verdadeira ação privativa dos credores entre si, na qual não é, nem pode ser ouvido o executado, mas dessa autonomia apenas não se deve tirar o argumento decisivo para aplicar ao concurso do processo estadual, nas execuções reguladas por lei federal. Antes de tudo é preciso não se esquecer que o concurso de credores sempre se instaura no próprio processo de execução para invalidar ou prejudicar a pretensão do exeqüente”. (Voto vencedor assinado em 17.03.1937 e publicado na Revista Forense 70 (LXX) de Março de 1937, páginas 337/338). CONCURSO DE CREDORES É PARA PROTEÇÃO DE TODOS – “O concurso de credores é o remédio que tem cada um dos credores para pedir ao juiz que obrigue aos demais credores a respeitarem o que lhe pertence por direito. Para esse fim, entretanto, é necessário que o interessado proteste por concurso, dê prova da insolvência do executado e articule a sua pretensão, assinando ao adversário prazo para contestá-la”. (Revista Forense, 69 (LXIX), página 550, apelação da Comarca de Três Corações, n. 9018, voto assinado em 12.01.1937). CONCURSO DE CREDORES OU EXECUÇÃO COLETIVA – “Jamais as execuções podem aglutinar-se em transfusão recíproca, para apresentarem como partes integrantes de uma execução coletiva. Se não pode haver execução sem título (nulla executio sine titulo), de títulos distintos derivam necessariamente execuções singulares; e estas não podem consubstanciar-se sem que aqueles se unifiquem. E como unificar-se com sentença condenatória, com eficácia normal independente, como título de eficácia dependente de seus pressupostos substanciais? E como soldar-se o crédito quirografário ao hipotecário, ou ao privilegiado, ou mesmo a outro quirografário semelhante, para formar-se o necessário título global, ao qual se baseai a execução coletiva única?”. (“Lições”, páginas 138\139). CONCURSO DE SOBERANIAS – “A verdade, porém, é que nos fatos anormais (muito impropriamente denominados “conflitos de direito) não há concurso de direitos, nem concurso de soberanias, no sentido de se aplicarem ao mesmo tempo dois, ou mais direitos ao caso concreto, ou pretenderem dois ou mais governantes apreciar ao mesmo tempo o mesmo fato anormal em caso concreto. E por essa razão o direito internacional privado não é distribuidor nem aferidor de competências; suas regras nada mais visam que organizar, na jurisdição onde vigoram, direito adequado à apreciação do fato anormal. Em casos concretos, os fatos anormais surgem apenas numa jurisdição”. (“Lições”, página 54). CONDÔMINO – “Ainda que condôminos sejam, por terem adquirido partes ideais, não podem se imitir, à força, na posse de determinada parte do imóvel; aliás, em ação possessória é incabível a alegação de domínio para justificar atos de força”. (Revista Forense n. 69 (LXIX), página 120, voto assinado em 21 de outubro de 1936). CONFLITO - “Veja-se por exemplo a desordem causada pela palavra conflito. Por força dessa palavra infeliz os tratadistas deixaram-se dominar pela idéia de colisão e rederem-se a “conflitos de leis no tempo” e “conflitos de leis no espaço” (...) Mas, se não há possibilidade de conflito propriamente dito entre duas ordens jurídicas autocráticas, para que usar essa palavra?”. (“Dir. Int. Priv.”, 2004, página VIII). CONFLITO DE DIREITO - “Sem dúvida, é uma metáfora; e é certo que, como bem pondera Martin Wolff a outro propósito, “uma boa imagem tem quase sempre a virtude de colocar as pessoas na atitude espiritual exigida para a observação e a reflexão”, entretanto, em direito internacional privado, conflito de direito é péssima imagem, que só coloca os discípulos em atitude espiritual de não compreenderem bem o assunto, ou de só o compreenderem com dificuldade porque continenti de suggestio falsi. É que há sempre forçosa interferência da significação vulgar da palavra conflito a insinuar a idéia de embate ofensivo, luta ou colisão, quando nada disto existe na apreciação de um fato anormal”. (“Lições”, página 108). CONFLITO DE JURISDICAO – “Conflito de jurisdição, no sentido genuíno desta expressão, só pode existir em face de um mesmo regulamento de competências; e não consiste em divergências de disposições legais, mas exclusivamente em divergências de juizes interpretando a mesma disposição legal. O mal denominado conflito de jurisdição só se pode dar dentro dos limites de uma mesma jurisdição, porque nada mais é que dúvida a respeito de parcelas dessa jurisdição ou competência pelo que melhor seria denominado pela expressão dúvida de competência ou dúvida acerca de competência.”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 29, página 57). CONFLITOS DE JURISDIÇÃO, UMA IDÉIA EQUIVOCADA - “Vários autores, inadvertidamente, atribuem ao direito internacional privado a função de resolver conflitos de jurisdição, totalmente deslembrados de que, na hora atual, não podem haver conflitos de jurisdição na ordem internacional. É certo que, a respeito de competência geral, o direito processual internacional de um Estado pode dispor de um modo, enquanto o de outro disponha em sentido contrário, mas nem essas divergências importam conflito de jurisdição, nem é função do direito internacional privado remediar os inconvenientes delas resultantes. Conflito de jurisdição, no sentido genuíno desta expressão, só pode existir em face de um mesmo regulamento de competências; e não consiste em divergência de disposições legais, mas exclusivamente em divergência de juízes, interpretando a mesma disposição legal. Além disso, é também da essência do conflito de jurisdição que seja resolvido por poder mais alto do que o das autoridades em conflito positivo, ou negativo”. (“Lições”, página 98 e “Dir. Int. Priv.”, n. 29, página 57). CONFUSÃO ENTRE AUTORES SOBRE O OBJETO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO – “Repondo as coisas em seus lugares, o que se deve dizer é que o objeto do direito internacional privado é única e exclusivamente organizar direito adequado à apreciação de fatos anormais, ou fatos em relação com dois ou mais meios sociais. Compreende-se que, no programa do curso acadêmico, incluam alguns professores a nacionalidade e o domicílio, por certo ponto de vista, e a condição jurídica dos estrangeiros, como exposições preliminares a ilustrar o estudo do direito internacional privado; e a execução das sentenças estrangeiras e a competência geral como exposições desse mesmo estudo; mas é preciso ficar bem claro que nenhuma dessas matérias faz parte do objeto direito internacional privado, seja este visto como direito verdadeiro, ou como simples técnica de aplicação do direito. Vale dizer, como recordação de assuntos conexos, é admissível a inclusão de tais matérias no programa do curso, mas é inadmissível incluí-las na esfera do direito internacional privado, como objeto deste”. (“Lições”, página 93). CONSTRUÇÃO EM TERRENO ALHEIO – “Quem semeia, planta ou edifica em terreno alheio, perde, em proveito do proprietário do solo, as sementes, plantas e construções, ficando com direito à indenização se não agir de má fé, não importando se o dono do terreno esteja de boa-fé ou de má-fé”. (Revista Forense n.. 147 (CXLVII), página 300. Acórdão assinado em 29.01.19510). CONTENCIOSO – “O legislador brasileiro, rompendo a tradição de nosso direito, entendeu agora que os processos de inventário e de arrolamento são contenciosos, porque não aceitou a doutrina de Adolfo Wach, de Chiovenda, de Cristoçolini, de Ugo Rocco, de Carnelutti e de Goldschmith, e resolveu que basta a possibilidade de qualquer divergência dos interessados em juízo, para que o processo deva ser chamado de contencioso, nada importando que, antes de virem a juízo, já quisessem todos o inventário, ou o arrolamento, à custa própria. Sem dúvida, por isso, o legislador não merece censura; nem seria obrigado a pensar de outro modo; mas também a nós, nada impede que, de lege ferenda, continuemos a pensar de modo diferente, sem também por isto merecermos a pecha de errados. Em direito, que não é ciência exata, como disse um eminente jurista prussiano, Walther Shoenborn, “teoria exata é a que explica de maneira mais natural as situações dadas”. (“Lições”, página 232). (...) CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO – “Os tribunais executivos do chamado “contencioso administrativo” do sistema francês de “justice delegue”, onde o poder executivo aparece como parte e como juiz ao mesmo tempo, não tem jurisdição porque, pelo menos quanto a uma das partes, não há substituição de atividades, nem julgador desinteressado em posição superior. Dos julgamentos desses tribunais não resultam direitos subjetivos propriamente ditos, mas situações de fato que ainda poderão ser, ou não, reexaminadas pela autoridade jurisdicional. No Estado moderno, a lei não pode excluir da apreciação do judiciário qualquer lesão de interesse particular. Por conseguinte, só a autoridade jurisdicional concretiza a ordem jurídica, só da sentença judicial resulta direito subjetivo propriamente dito”. (“Lições”, página 243). CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO E ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA- “Assim não é exato que a assistência só possa ser concedida para jurisdição contenciosa porque a lei não faz semelhante distinção. Em processo de jurisdição voluntária pode haver tanta necessidade de assistência quanto existe em processo de jurisdição contenciosa”. (Revista Forense 99 (XCIX), página 157, acórdão assinado em 05.04.48) CONTEÚDO DA SENTENÇA- “Por outro lado, o ato de observar está sujeito a muitas deturpações, de origens diversas: sensitiva, intelectual, profissional. Ninguém ignora que os sentidos podem nos enganar; a inteligência pode nos levar a uma direção errada, por insuficiente ou por excesso; e as profissões são elementos que também aperfeiçoam ou alteram a justeza de observação. (...) Por conseguinte, aquele unicum indecomponível, de que nos fala Capograssi, depende principalmente do coeficiente pessoal do julgador: de sua inteligência e de seu subconsciente, de sua honra, de sua cultura, de sua paciência, de seu interesse pela função judicial, de sua religião, de sua moral, de sua afetividade, de seu amor próprio, de sua vaidade e de sua acuidade, e até da pressão do meio ambiente, imponderáveis que chegam a determinar decisões diversas do mesmo julgador, em casos semelhantes, proferidas em tempos diferentes. E então quando o julgado é de tribunal coletivo, quanto maior o número de julgadores, mais ainda influem essas razões indefiníveis, inevitáveis, fugazes, inatingíveis”. (“Lições”, página 184\185). CONTEÚDO DA SENTENÇA É O QUE NELA ESTÁ EXPRESSO – “O juiz julgando a causa, deve incluir na condenação, ainda que não tenham sido reclamados, além das custas do processo, frutos, interesses ou outros acessórios do pedido, naqueles casos em que a lei o impõe; entretanto, se o juiz omitir na condenação as custas, as perdas e danos, frutos, juros compostos e demais acréscimos, embora tenham sido pedidos no libelo, não pode a liquidação considerá-los. A sentença é um título em que se não pode incluir o que formalmente não se contenha em seu contexto, e que não possa estar implícito naquilo que foi expresso”. (Voto assinado em 16 de setembro de 1940, publicado com essa ementa na Revista Forense, n. 86 (LXXXVI), página 406). CONTRAINTE - “A multa diária imposta em ação cominatória corresponde à astreinte ou contrainte do direito francês, que se caracteriza pelo exagero da quantia em que se faz a cominação, não correspondente ao real prejuízo causado ao credor pelo inadimplemento, nem dependente da existência de tal prejuízo. É antes uma pena imposta com caráter cominatório para o caso do obrigado não cumprir a obrigação no prazo fixado pelo juiz. (...) Esta multa diária é mais adequada ás obrigações personalíssimas, e não às que podem ser prestadas por terceiros à custa do executado, mas a jurisprudência a tem tolerado em ambos os casos. Seja como for, a cominação assusta muito e contribui para que o executado não deixe de cumprir a obrigação de fazer, e precisamente por isto é freqüentemente cominada e raramente imposta ”. (“Pareceres”, página 303). CONTRATOS A TERMO - “As operações a termo são contratos necessariamente aleatórios, porque, no tempo que vai da formação à execução do contrato, pode dar-se a variação dos preços e assim, a alta ou a baixa, acarretará lucros ou prejuízos a qualquer dos contratantes. Sobre a oscilação de preços, o vendedor e o comprador especulam. Quem compra a termo, com a intenção de revender por mais, é especulador na alta: altista; e quem vende a termo mercadoria que ainda não possui, esperando adquiri-la por preço inferior, é especulador na baixa: baixista. Essas operações a termos realizam-se ordinariamente a descoberto”. (“Pareceres”, página 225). CONTRATO SOCIAL E ESTATUTO - “O contrato produz efeitos apenas para as partes contratantes, ao passo que o estatuto pode produzir efeitos para pessoas diversas das que participaram de sua confecção. É bastante que um novo sujeito emita uma declaração de vontade semelhante a que emitiram os primeiros autores do ato para participar do resultado comum. Enquanto o prazo do contrato é, quase sempre, limitado, a duração da associação é, em regra indefinida. Entre as partes contratantes, em pé de igualdade, há relações, por assim dizer horizontais, ao passo que entre os associados não há relações juridicamente apreciáveis: um nada pode exigir do outro; todos alguma coisa podem exigir da associação; e entre a associação e os associados, em pé de igualdade, há por assim dizer reações verticais, de provisão de autoridade. A noção de autoridade é inconcebível no contrato, é condição sine qua non da associação.” (“Pareceres”, páginas 163/164) CONTRATOS - TEMPO E LUGAR DE SUA FORMAÇÃO - “E não se deve confundir o momento da formação do contrato com a questão do lugar de formação. Não são questões de fato, que se resolvam por meio de verificação material; sim, assuntos de direito, que comportam soluções diversas. Quanto ao tempo, o contrato por correspondência epistolar, entre pessoas residentes em países diferentes, poderá ser concluído no momento em que o destinatário da oferta expeça resposta, manifestando a vontade de aceitar (teoria da declaração ou da expedição), ou no momento em que a resposta do aceitante chegue ao ofertante, ou proponente (teoria da informação). E o direito brasileiro, para o momento da formação do contrato, segue o sistema da expedição”. (“Pareceres” página 216). CONVENÇÕES INTERNACIONAIS - “Do fato de haver convenções internacionais, para a adoção de direito internacional privado uniforme, não se deve deduzir a possibilidade de serem encontradas normas internacionais desse direito. Em primeiro lugar, sendo direito nacional, jamais pode ter como fonte direta um tratado, o qual força os governos contratantes a manter certo direito internacional privado uniforme, mas este emana, não diretamente do tratado, sim da ordem de execução que for baixada para cumpri-lo. Em segundo lugar, também existe direito civil, ou direito comercial uniforme, resultante de tratados como, por exemplo, o direito cambial uniforme emanado da Conferência de Genebra, firmada em sete de junho de 1930, e, pelo fato de haverem sido internacionalmente adotadas regras uniformes, o direito cambial, em cada um dos paises contratantes, não deixou, um só instante, de ser direito privado, isto é, não se converteu em direito internacional”. (“Dir. Int. Priv.", página 81). CONVERSÃO DE DEBÊNTURES EM AÇÕES - “Fica, pois, fora de dúvida que uma ação de uma espécie pode ser convertida em outra ação de outra espécie; paralelamente a obrigação de uma forma pode ser convertida em obrigação de outra forma. Não se está dizendo que seja impossível uma obrigação ser convertida em ação, pois a lei permite, por exemplo que as partes beneficiárias (obrigações) sejam convertidas em ações; o que se está afirmando é que, para as debêntures, não há disposição semelhante a esta. (...) A lei não prevê a conversão da debênture em ação. Por conseguinte se ela estabelece que as sociedades de financiamento e investimento só poderão colocar no mercado nacional de capitais ações e títulos (emitidas pelas empresas controladas por capital estrangeiro, ou subordinadas a empresas com sede no estrangeiro) tiverem assegurado o direito de voto, está claro que não podem ser lançadas no mercado, por aquelas sociedades, debêntures conversíveis em ações nominativas, já que as debêntures não dão direito de voto na assembléia da sociedade anônima emitente, e não podem ser convertidas em ações”. (“Pareceres”, páginas 42\43). COSTUMES - “O costume não pode mesmo criar direito como sinônimo de apreciação oficial dos fatos, porque só na decisão judicial essa apreciação pode aparecer. Também a lei, a doutrina e a jurisprudência não criam direito nesse sentido (tenha-se em vista a diferença entre decisão judicial e a jurisprudência. Entretanto, com a mesma acepção com que se diz que a lei, a doutrina e a jurisprudência são fontes de direito, isto é, critérios de apuração dos fatos, pode-se também dizer que o costume é fonte de direito, vale dizer: fonte de critérios destinados à apreciação oficial do fato pela decisão judicial. Nesta acepção, como a jurisprudência, como a lei, como a doutrina, o costume é anterior à apreciação oficial e por isso mesmo não prova a preexistência de direito no sentido ontológico, pois nada mais é que ingrediente utilizável pelo Poder Judiciário na confecção do direito propriamente dito”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 52, página 123). CULPA EXTRACONTRATUAL - “Não ha razão alguma para se estabelecer diferença entre as chamadas culpa contratual e culpa extracontratual, porque ambas supõem um ato ilícito e um dano causado, e qualquer delas não contém em si maior rigor de apreciação e conseqüências. Atualmente, todo mundo admite que âmbito da responsabilidade civil engloba a responsabilidade contratual e a extracontratual; é até impossível estudar a segunda, separando-a da primeira; os autores que separavam as duas responsabilidades foram conduzidos a reconhecer a unidade da responsabilidade civil. Os que ainda distinguem as culpas costumam apoiar a distinção na diferença do ônus da prova, dizendo que, enquanto na contratual é ´presumida, na extracontratual não o é. Mas Planiol et Ripert desfazem essa ilusão, mostrando que quando o devedor é responsável por uma obrigação positiva de dar ou de fazer, o credor tem o direito de exigir a execução, desde que prove a existência do seu crédito. Feita a prova, o devedor deve ser condenado, a menos que prove a existência de um fato liberatório. Trata-se, pois, do jogo normal das regras sobre provas, não havendo aí qualquer presunção de culpa. Ao contrário, tratando-se de prova negativa, o credor nada pode pedir enquanto não a provar; mas isso em razão da natureza negativa do objeto da obrigação, tanto assim que a prova da culpa do devedor é exigida do credor, ainda em matéria contratual, todas as vezes que a obrigação é de não fazer”. (“Pareceres”, página 213-214). CULPA PROCESSUAL – “Evidentemente, para que o exercício da ação ou da defesa gere, para a parte vencida, a obrigação de indenizar os prejuízos efetivos causados à parte vencedora, não basta a circunstância de haver decaído da ação. É preciso ainda que se demonstre o concurso de certas particularidades do fato, dos quais transpareça ou o propósito de prejudicar (dolo) ou culpa grave, leve ou levíssima, leviandade, falta de ponderação, simples negligência, ou erro grosseiro; ou, pelo menos, espírito de aventura ou temeridade da parte vencida”. (“Pareceres”, página 140). CURADOR – “O curador à lide e o promotor de justiça falam nos autos em favor, ou mesmo contra os ausentes, sem ser representantes dessas pessoas incapazes. (...) Interessa à ordem pública que no foro, os incapazes os não presentes, não se prejudiquem por falta de defesa, e daí a intervenção de um curador à lide, no interesse da justiça, a fim de que se obtenha um melhor desenvolvimento do juízo e não se prejudiquem aquelas pessoas por falta de contato com os tribunais”. (Voto proferido em 3 de abril de 1937 e publicado na Revista Forense n. 70 (LXX), página 335). CURADOR A LIDE - “Mas o curador não é obrigado por lei a morar com o interdito. (...) Deixar o seu irmão incapaz onde se encontra e onde é tão bem tratado, revela bom senso e não negligência; tirá-lo de casa da irmã, carinhosa e dedicada, para deixá-lo maltratado, em outro qualquer lugar é que revelaria imprudência ou pouco interesse pela pessoa do incapaz”. (Revista Forense n. 60 (LX), página 126, voto assinado em 03 de junho de 1936). CURADOR DE AUSENTE E CURADOR À LIDE – “Relativamente ao ausente deve-se considerar duas espécies de curadoria. (...) O primeiro (Curadoria de Pessoa desaparecida), representante de uma pessoa absolutamente incapaz, tem seus poderes e obrigações fixados pelo juiz, conforme às circunstâncias e o disposto a respeito de tutores e curadores: está sujeito à prestação de contas e a fiança de sua gestão; o segundo, sendo a curadoria acidental como a não presença, ou a revelia, nada tem que ver com a guarda e administração dos bens do curatelado, e tem a sua ação limitada a opinar e a requerer nos autos, sem ser representante da pessoa ausente”. (Voto vencedor assinado em 03/04/1937, Revista Forense n. 70 (LXX) de abril de 1937, página 335). CURADOR DE HERANÇA JACENTE – “Entretanto o curador de herança jacente não é representante de pessoa jurídica, nem muito menos representante de herdeiros; é apenas uma pessoa incumbida da guarda, conservação e administração dos bens, podendo por esses bens, mas nunca pelos herdeiros, demandar ou ser demandado”. (Sentença proferida em 02.09.1935, mantida pelo Tribunal e publicada na Revista Forense de 1937, janeiro, páginas 112 a 114) . CURADORIA E PROMOTORIA – “O Promotor de Justiça nada tem que ver com a guarda e a administração dos bens dos incapazes, e tem a sua ação limitada a opinar e a requerer nos autos, sem ser representante dos incapazes. (...) O curador à lide e o promotor e justiça falam nos autos em favor, ou mesmo contra os ausentes, sem ser representante destas pessoas incapazes. (...) Interessa à ordem pública que, no foro, os incapazes ou os não presentes não sejam prejudicados por falta de defesa”. (Voto na Revista Forense, n. 70 (LXX), página 335). CURATELA – “O que foi dito a respeito de tutela aplica-se à curatela: a pessoa do incapaz é que deve principalmente ser tomada em consideração; e os tribunais locais são competentes sempre para providências urgentes reclamadas pelo interesses do protegido, ou por outro motivo de ordem pública. Cheshire cita o caso de uma americana que mostrou alguns sintomas de loucura durante viagem para a Inglaterra; outra vez, depois de haver lá chegado; e foi resolvido que o tribunal inglês tinha competência para investigar a respeito de sua insanidade mental, posto que, além da bagagem, não tivesse na Inglaterra propriedade de qual quer espécie”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 209, página 418). DAÇÃO EM PAGAMENTO e NOVAÇÃO – “A melhor doutrina é a tradicional exposta por Pothier, segundo a qual a datio in solutum não importa em novação. (...) O juiz confundiu contrato de conta corrente com simples conta de deve e haver, mero registro de operações irregulares entre comerciantes e destinada a indicar, a qualquer momento, o estado em que se acha um deles, relativamente ao outro. Neste último caso, que é o dos autos, os créditos anotados não se confundem: cada qual mantém a sua vida própria e regula-se conforme a natureza da operação originária. E não tendo havido qualquer espécie de novação, os autores apelantes, com base no contrato, têm direito de reaver a posse do piano, cujo preço não foi inteiramente pago.” (Voto vencedor em 17 de fevereiro de 1937 e publicado na Revista Forense n. 70 (LXX) de março de 1937, página 109). DAMNUM REMOTUM - “Como é sabido, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos, e os lucros que, em conseqüência direta e imediata da inexecução do contrato, o credor deixou de receber: não é indenizável o “damnum remotum. (...) Se tanto o pedido inicial da demanda como o acórdão exeqüendo silenciam a respeito da renovação, seria profundamente injusto estender-se a liquidação até o futuro ano de 1966, unicamente porque a cláusula 16ª do contrato rescindido falava na possibilidade de ser o mesmo renovado. (...) Sem dúvida na instância, é perfeitamente possível interpretar e esclarecer os termos da sentença exeqüenda: pode-se inserir como implícito aquilo que não possa deixar de estar abrangido pelo expresso, mas é absolutamente proibido incluir como implícito aquilo que possa não estar incluído no expresso”. (“Pareceres”, páginas 110\111). DANO EMERGENTE - “Há uma expressão corrente no foro que precisa ser bem interpretada, ou contida nos limites do razoável: “a indenização deverá ser a mais ampla e completa possível, abrangendo o lucro cessante e o dano emergente”. Esta frase, “a mais ampla e completa”, não significa que a indenização possa ser desmedida; nem que deve ser a mais ampla e completa, isto é, justa, abrangente do lucro cessante e do dano emergente que forem regularmente apurados com base em probabilidades objetivas, constantes dos autos. Evidentemente os lucros cessantes não podem compreender lucros imaginários ou fantásticos, nem podem ser fonte de enriquecimento sem causa, já que não se instituem com o objetivo de proporcionar vantagens a credor”. (“Comentários ao Código de Processo Civil Brasileiro”, editora Revista dos Tribunais, 1973, página 171, n. 234). DANO MORAL - “O fundamento da ação é outro. O que, na realidade se tem em vista não é avaliar a dor para pagá-la em dinheiro numa equivalência exata, mas tutelar o direito violado. As perdas e danos não têm o caráter de indenização do sofrimento, mas caráter de reparação regressiva. (...) A indenização sob a forma econômica é considerada como um bom sucedâneo, como um bem não equivalente a um outro, mas dado em substituição de um outro, como uma satisfação ou uma vantagem pela lesão do direito. (...) E como não há e nem pode haver equivalência entre o dano sofrido e a importância a ser paga, o que daí se segue é que necessariamente haverá um poder discricionário, um prudente arbítrio dos juizes na fixação do quantum da condenação, arbítrio esse que emana da natureza das coisas, pois como fizeram sentir Boistel, Laurent, Montel, Hudelot et Metman, Giorgi e Minozzi, o fato de não se poder estabelecer a equivalência não pode ser motivo de se deixar o direito sem sanção e sem tutela.”. ( Publicado pela Revista Forense 93 (XCIII), página 529, janeiro de 1943 – Apelação 1409 da Comarca de Ubá, acórdão assinado em 19.10.1942). DANOS E PERDAS – “O que se denomina “perdas e danos” é a estimação dos prejuízos que ao credor resultaram de não haver o devedor cumprido a sua obrigação; ou provenham da efetiva diminuição do patrimônio do credor (dano emergente); ou de se não haverem realizado os lucros, que do cumprimento lhe deviam resultar (lucros cessantes). Por outras palavras: o dano emergente é o que era nosso e perdemos; ao passo que o lucro cessante é o que se deixou de ganhar”. (“Do Procedimento de Execução”, Editora Forense, 2000, n. 234, página 133). DEBÊNTURE - “O acionista, como sócio, está, por assim dizer, do lado de dentro da sociedade, enquanto o obrigacionista, como credor, permanece de lado de fora. Ação (título de sócio) e debênture (título de crédito) são de natureza muito diversa. O acionista é membro da sociedade anônima com direito à parte proporcional dos lucros líquidos e à parte proporcional no ativo líquido que a sociedade apresente depois de dissolvida, partes essas que são necessariamente quantias incertas. O debenturista é credor de quantia certa, representada pelo valor de sua debênture, e juros pela mesma fixados. O debenturista empresta dinheiro; o um crédito, nunca uma responsabilidade”. (“Pareceres”, páginas 41/42). (“Pareceres”, página 42). DEBÊNTURE NÃO SÃO AÇÕES - “Fica, pois, fora de dúvida que uma ação de uma espécie pode ser convertida em outra ação de outra espécie; paralelamente a obrigação de uma forma pode ser convertida em obrigação de outra forma. Não se está dizendo que seja impossível uma obrigação ser convertida em ação, pois a lei permite, por exemplo que as partes beneficiárias (obrigações) sejam convertidas em ações; o que se está afirmando é que, para as debêntures, não há disposição semelhante a esta. Atualmente, a debênture não pode, por uma só operação, ser convertida em ação: para o debenturista perder essa qualidade e adquirir a de acionista, o meio será o resgate voluntário da debênture seguido da aquisição facultativa da ação. A lei atual não prevê a conversão da debênture em ação e estabelece a lei 4.131 no seu artigo 40 que as sociedades de financiamento e de investimento só poderão colocar no mercado nacional ações e títulos (emitidos por ações controladas por capital estrangeiro) que tiverem assegurado o direito de voto, está claro que não podem ser lançadas no mercado aquelas sociedades, debêntures conversíveis em ações nominativas, já que as debêntures não dão direito de voto nas assembléias da sociedade anônima emitente, e não podem ser convertidas em ações.” (“Pareceres, páginas 42-43). DEBÊNTURISTA - “O acionista, como sócio, está por assim dizer, do lado de dentro da sociedade, enquanto o obrigacionista, como credor, permanece de lado de fora. Ação (título de sócio) e debênture (título de crédito) são de natureza muito diversa. O acionista é membro da sociedade anônima com direito à parte proporcional dos lucros líquidos e à parte proporcional do ativo que a sociedade apresente depois de dissolvida, parte essas que são necessariamente quantias incertas. O debenturista é credor de quantia certa, representada pelo valor de sua debênture, e juros pela mesma fixados”. (“Pareceres”, páginas 41/42) DECISÃO JUDICIAL - “Em suma: a ordem jurídica virtual não é direito objetivo. Impropriamente vem sendo assim chamada apenas por um hábito multissecular. Nada mais é do que um rede de pensamentos gerais, infinitivos, destinados a frear a o arbítrio da autoridade jurisdicional. O direito em nenhuma parte se encontra, senão na decisão judicial, incluídos também nesta expressão, os aludidos julgamentos do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Em conseqüência disto é perfeita a síntese de Jethro Brown: “o direito nunca é, mas a todo momento pode vir a ser, e, logo que é, deixa de ser”. Vale dizer: fora da decisão judicial, não há direito; mas, a todo momento, dessa decisão, o direito pode surgir; e, logo que surge, desaparece, porque o direito objetivo, confeccionado para o julgamento de um fato, só serve para esse julgamento; e consome-se pela aplicação. Note-se que a ordem jurídica se concretiza, caso por caso, em novo; e o fato juridicamente apreciável é sempre atinente apenas às partes litigantes. Desta sorte, cada espécie sub judice é invariavelmente única, ímpar, individual, de extrema singularidade; também cada decisão judicial caracteriza-se pelo isolamento e pela máxima particularidade”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 17, página 32). DECISAO JUDICIAL É O DIREITO – “Por sua origem o direito só pode ser subjetivo. No mundo objetivo, ou exterior, está-se no reino dos fatos, onde não se encontra o direito; este não provém dos fatos, como incorretamente se costuma imaginar, mas é gerado pela mente (cf. n. 45). Em regime de justiça pública só na consciência da autoridade jurisdicional competente o direito surge, perdura e desaparece. Fora da decisão judicial não pode haver direito verdadeiro. Brown notou muito bem que os homens, no desempenho de suas tarefas diárias, “governam sua conduta por um ignis factuus, pois as regras a que prestam obediência não constituem, na verdade, direito algum ”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 17, página 26\27). DECISÃO JUDICIAL FAZ O DIREITO– “Por conseguinte, com base nessas lições de Chiovenda e Canerlutti, pode-se afirmar que as autoridades administrativas e legislativas, por mais altas que sejam, não concretizam a ordem jurídica, e por isto dos seus atos não resultam direitos subjetivos propriamente ditos que, no nosso entender, são apenas situações de fato garantidas por decisão judicial. Sem dúvida alguma, observam as leis, aplicam as leis, praticando atos de acordo com as mesmas, mas dessa observância, dessa aplicação, dessa prática, não resultam direitos subjetivos propriamente ditos, sim situações de fato, mais ou menos estáveis, mais ou menos garantíveis, que jamais podem ser confundidas com aqueles.”. (“Lições”, página 240). DECISÃO JUDICIAL FONTE DIREITO – “O pensamento de que se compõem as ordens jurídicas mudam no tempo e no espaço; as ordens jurídicas incessantemente se renovam em todas as épocas e em todos os lugares; enquanto o direito permanece invariável, como forma constante de concretização de qualquer ordem. (...) Por isso mesmo, enquanto a ordem é mudável, o direito é invariável; enquanto; enquanto a ordem pode emanar de várias fontes, o direito só provêm de decisão judicial, por onde também flui a ordem, e assim o juiz é um de seus artífices. Ordem jurídica e direito são conceitos inconfundíveis. Não importa que o sistema de distribuição de justiça seja o romano, da predominância da lei, ou seja, do common law, da predominância da jurisprudência; neste ou naquela sistema, o direito é sempre o mesmo conceito formal: a garantia de um modo de pensar.”. (“Dir. Int. Priv.”, N. 11, página 14). DECLARAÇÃO DE VONTADE POR SENTENÇA - “A obrigação de prestar determinada declaração de vontade é caso típico de obrigação de fazer, de caráter infungível. É perfeitamente possível isolar-se o efeito jurídico que o contrato definitivo deveria produzir e, concorrendo determinadas condições, permitir aos órgãos da justiça realizar esse efeito, não suprindo a vontade do obrigado inadimplente, mas prescindindo dela (Tullio Liebman). “O respeito à vontade individual não pode ser tão absoluto a ponto de impedir a produção do efeito jurídico que a declaração de vontade produziria, quando existe obrigação anterior de emitir essa declaração, e o obrigado se recusa a cumpri-la”. (“Do Procedimento de Execução”, 2a edição de 2000 da Editora Forense, revista e atualizada, n. 245, página 141). DECLARARAÇÃO DE VONTADE – “Na hipótese de se ter obrigado a parte a emitir declaração de vontade, tem-se discutido se o inadimplemento dá lugar somente à ação de perdas e danos, ou se também ação para conseguir-se o mesmo efeito jurídico prometido. Ferindo esse ponto, sustentavam os antigos autores que no caso, por exemplo de mandar a sentença que a parte faça uma escritura, se não fizer, ficará a sentença válida, com os mesmos efeitos da escritura outorgada (...) Ainda em face do direito moderno, Chiovenda tem como perfeitamente jurídica e aceitável essa solução dada pelos nossos antigos processualistas (Correia Telles e Leite Velho), explicando que não se deve supor que o juiz contrate em lugar do obrigado, ou como seu representante, pois o certo é que o juiz, como mantenedor da ordem jurídica, independentemente de contrato, tem o poder de realizar os efeitos que as partes se obrigaram a produzir”. (“Do Procedimento de Execução”, 2a edição de 2000, pela Editora Forense, n. 242, página 140). DEFESA TEMERÁRIA – “Ora, o réu não pode ter interesse legítimo na criação de incidentes que não tenham outro objetivo senão o retardar a sentença final; e como ensinam Mazeaud et Mazeaud, é indiscutível a responsabilidade por perdas e danos quando o direito é exercido sem interesse. Não virá ao caso, pois, a alegação de que o locatário não tinha intenção de prejudicar o locador, se tinha intenção de lucrar à custa de prejuízos que o locador, em razão de sua chicanice, não poderia deixar de sofrer, e disto deveria e poderia saber. Modernamente verificou-se que a antiga máxima qui jure suo utitur neminem laedit não pode ser tomada em sentido absoluto. Deve ser assim entendida: qui jure suo utitur neminem laedere debe (Coviello). Sem dúvida, o locatário na ação de despejo tem o direito de defender; o que não tem é incolumidade de protelar a lide, provocando incidentes manifestamente infundados para ficar mais tempo no prédio, causando, por esta forma, injusto prejuízo ao locador”. (“Pareceres”, página 139). DELIBAÇÃO – “Na instância da delibação, deve-se examinar só a competência geral, não a competência especial do julgador. Para bem resolver-se essa questão tormentosa em direito processual internacional, deve-se lembrar que, enquanto a competência geral é regulada também pelo ius fori, a especial é regida exclusivamente pelo direito estrangeiro. Conseqüência do princípio, atualmente incontestado, de que cada nação pode definir livremente sua competência geral é que, a respeito desta, duas investigações hão de ser feitas: uma, por assim dizer, positiva; outra negativa. Há a verificar se a jurisdição do país onde foi proferida a sentença era competente para processar e julgar a causa; depois, se essa mesma competência não era do país onde se pretende executar o julgado. De tal sorte que, enquanto a competência geral é regulada simultaneamente tanto pelo direito interno estrangeiro como pelo jus fori, a especial é regida exclusivamente pela jus extraneum , ou direito interno estrangeiro. ” . (“Pareceres”, página 103). DELIBAÇÃO E A FORÇA DESTA DECISÃO- “Muito se tem discutido sobre se o juízo da delibação tem apenas por fim conferir à sentença força executiva, ou se também de lhe atribuir autoridade de coisa julgada substancial. Mortara sustenta isto: “portanto, a questão, que freqüentemente se discute entre os nossos juristas e nos tribunais, é se o juízo da delibação se destina só a conferir às sentenças estrangeiras força de título executivo para o efeito da expropriação, ou também para que tenha na Itália autoridade de coisa julgada, deve ser resolvida, no meu entender, neste último sentido”. Mattirolo, ao contrário, entende que as sentenças estrangeiras contém sempre a autoridade intrínseca de coisa julgada, e apenas para serem executadas é que dependem de prévia autorização das autoridades nacionais, tanto assim que estas, no juízo da delibação, não tem o direito de reexaminar o mérito da causa. Mas, ao que parece, esses dois eminentes processualistas estão se referindo a coisas julgadas diferentes: Mortara à substancial, Mattirolo à formal. (...) Vale dizer: o ius fori é que atribui, ou não, à sentença, a qualidade de coisa julgada substancial, posto que, na jurisdição de origem, deva a mesma ter transitada em julgado (coisa julgada formal”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 311, páginas 560/561). DEMANDAS - “Planiol e Ripert, apontando uma infinidade de julgados franceses que seria fastidioso aqui reproduzir, tratam do exercício das demandas, afirmando quem participar de um processo judicial, seja como autor, seja como réu, pode ser condenado a pagar perdas e danos à parte contrária, se agir com malícia ou de má-fé, ou mesmo em conseqüência de um erro grosseiro. Isto porque o direito de recorrer à justiça não é absoluto; é sim subordinado à existência de um interesse sério: os tribunais estão abertos aos particulares apenas para a defesa de seus direitos e de seus interesses legítimos, não para fim diletante, ou malicioso”. (“Pareceres”, página 139). DEPOIMENTO PESSOAL - “Então, pelo fato de serem os autores conceituados, os seus depoimentos pessoais, sendo dois ou mais, podem fazer prova contra o Réu? O depoimento da parte prova plenamente contra ela, e não a favor; e se assim não fosse, se se pudesse converter o depoimento pessoal em testemunhal, o litisconsórcio poderia quebrar o princípio da igualdade, informativo do processo civil”. (Voto vencedor proferido 22.03.1943 e publicado na Revista Forense de Setembro de 1943, páginas 610\611). DEPOSITÁRIO – “Por outro lado, depositário judicial não tem legitimação para intentar demandas possessórias contra terceiros estranhos ao litígio. Se for perturbado na detenção material dos bens, ou for privado dessa detenção por ato de terceiro, ou das próprias partes litigantes, o que deve se fazer é pedir providencias ao juiz para que este lhe garanta o exercício de suas funções, ordenando nova apreensão dos bens ou a cessação da violência. Pois, se o depositário não tem a posse dos bens, e estes se encontram temporariamente presos pela força do Estado, é claro que não pode ter legitimação para discutir a legitimidade dessa detenção e guarda, dando ao juiz a possibilidade de decidir que outra pessoa, que não ele depositário, deva ser mentida na detenção dos mesmos bens”. (“Do Procedimento de Execução”, n. 331, página 190). DEPOSITÁRIO E DEPOSITANTE – “Mas, nesse passo, o julgador evidentemente se esqueceu de que o depositário deve restituir a coisa ao depositante, sem ter a faculdade de exigir que o mesmo prove ser o proprietário dela. (...) E, precisamente porque não é essencial à validade do depósito, a condição de ser proprietário da coisa quem a deposita é que, em regra, a restituição deve ser feita ao depositante, não valendo ao depositário a alegação de não ser o depositante o proprietário, isto porque foi com o depositante que ele contratou, sem exigir a prova de domínio”. (Voto vencedor proferido em 23 de fevereiro de 1938, publicado na Revista Forense, n. 74, página 306). DEPÓSITO - “Não pode haver depósito sem tradição”. (Apelação 2.403 de Teófilo Otoni, página 39b dos Cadernos Originais da lavra do autor, em 1948, n. 21, página 39). DESAPROPRIAÇÃO – “É claro que desapropriação, operação administrativa complexa, realizável mediante vários atos concatenados, só pode ser regulada, no fundo e na forma, pelo direito administrativo e pelo direito processual do forum; mesmo porque a utilidade pública que a informa só pode ser a do povo governado pelo expropriante. Mas isto não importa na impossibilidade de serem expropriados bens que no momento da desapropriação se encontrem no estrangeiro. Indiscutivelmente nenhum governo pode exercer diretamente sua jurisdição sobre pessoas e sobre bens que se encontrem fora de seus limites, ou no estrangeiro. Mas nem isso faz obstáculo a que se desapropriem bens corpóreos que se encontrem no estrangeiro, tornando-se efetiva a apreensão mediante carta rogatória, nem muito menos que se desapropriem títulos de crédito, ou ações de sociedades comerciais nacionais, estando no estrangeiro os expropriados estrangeiros, casos que independe a desapropriação da apreensão dos documentos”. (“Lições”, página 33). DESAPROPRIACAO BENS SITUADOS NO ESTRANGEIRO - “E o critério que decisivamente torna o direito desapropriável é esse pertinente ao meio social nacional; quando o bem, que possa ser destinado a fim de utilidade pública, seja pertinente ao meio brasileiro, pode, no Brasil ser desapropriado; não em caso contrário. Porque o criminoso que só agiu no estrangeiro pode ser processado, julgado e punido no Brasil? Por que o fato criminoso não é estranho ao meio social brasileiro, e sim pertinente à nação brasileira, no sentido que interessa à nação brasileira. Por essa mesma razão é que móveis sitos no estrangeiro não podem ser aqui desapropriados; por isso mesmo é que alguns móveis aqui situados não podem ser aqui desapropriados; e ainda por isso é que as ações ao portador podem ser aqui desapropriadas, nada importando sejam seus portadores estrangeiros domiciliados no estrangeiro. A regra, portanto, é esta: quando o direito seja estranho ao meio social brasileiro, não pode ser aqui desapropriado, ainda que seu titular seja brasileiro, domiciliado no Brasil. A situação da coisa não é elemento decisivo”. (“Lições”, página 42). DESAPROPRIAÇAO DE DIREITO E NÃO DA COISA – “Isto posto, vejamos como funciona a desapropriação a respeito das coisas corpóreas, e relativamente às coisas incorpóreas. No exato dizer de Lafayette, na desapropriação a perda do domínio se verifica por fato que incide sobre o próprio direito, e que não influi diretamente nem sobre a pessoa do expropriado nem sobre a coisa expropriada. É por metonímia que se fala na desapropriação de uma coisa, pois na realidade o que se desapropria, o que se toma, é o direito. E precisamente porque a perda do direito se opera em virtude de fato que entende com esse direito em si, é essencial bem focalizar a tradicional distinção entre jus in re e ius ad rem, para bem compreender o que acontece na desapropriação referente a títulos de crédito e a ações de sociedade mercantis, porque não é o mesmo que sucede na desapropriação de imóveis ou de móveis corpóreos”. (“Lições”, página 35). DESAPROPRIAÇÃO DO DIREITO SOBRE MÓVEIS – “A territorialidade da desapropriação não pode ser entendida no sentido de que todos os bens móveis situados em território nacional podem ser desapropriados, nem no sentido de que todos os bens moveis situados fora do território nacional não podem ser desapropriados. Est modus in rebus. O que é desapropriado é o direito e não a coisa; o direito não tem situação no espaço, porque é incorpóreo, e as coisas podem ser nacionais ou estrangeiras, sendo desapropriável o direito referente às nacionais, ainda que no momento da desapropriação, estejam no estrangeiro, e sejam pertencentes a estrangeiros. Aqui, para evitar equívocos, deve-se ver bem que não se fala em nacionalidade das pessoas. Um navio nacional pode ser pertencente a individuo estrangeiro, e assim também outra qualquer coisa. Também o direito penal é territorial e, como já ficou visto, o crime pode ter sido cometido fora do território nacional, o criminoso pode continuar fora do território nacional, e não obstante ser processado e sentenciado pela justiça nacional”. (“Lições”, página 34). DESIGUALDADE DE INTERESSES – “Ensina Gaston Jèze que a norma de direito privado supõe, essencialmente, a igualdade dos interesses particulares em conflito, ao passo que a norma de direito público funda-se na idéia de desigualdade desses interesses, e o princípio dominante é o de, em regra, prevalecer o interesse público seja qual for. Daí a existência de regras e teorias jurídicas especiais, de normas de direito público, ligadas todas a essa idéia essencial: o interesse particular deve ser sacrificado em proveito do geral. De tal sorte, na relação social apreciada por direito privado, ou no título exeqüendo (título substancial), o interesse pode ser igual ao do credor, ou igualmente respeitável, ou igualmente respeitável, de modo tal que não deveria sacrificar um, em proveito de outro; entretanto, assim como há caso em que coincide o interesse do credor com o do Estado, como por exemplo na própria execução de sentença, porque há interesse coletivo, público, em realizar-se o direito declarado nas sentenças judiciais”. (“Do Procedimento de Execução”, 2a edição de 2000 da Forense, n. 262, páginas 153\154). DESISTÊNCIA – “Com a desistência, a instância cessa, desaparece a litispendência e se extinguem, por isto os efeitos materiais e processuais derivados da propositura da ação. A desistência do processo deixa incólume o direito material do autor ou dos interessados e também suas pretensões. Podem assim propor nova ação e com isto instaurar outra relação processual para julgamento da referida pretensão. (...) Os efeitos da desistência do processo são os de se terem por não acontecidos os atos praticados na instância, sem que toquem ou afetem a ação. Por isto mesmo, ensina Chiovenda que, pela desistência “a parte abandona os efeitos substanciais e processuais do processo, mas não perde o direito de fazer valer a ação em novo processo”. (“Pareceres”, páginas 183/184). DESPESAS JUDICIAIS EM FALÊNCIA – “De fato a jurisprudência tem vacilado em incluir entre os encargos da massa as comissões do sindico e do liquidatário, mas a melhor interpretação da lei de falências é de que aquelas comissões estão abrangidas na expressão: “despesas judiciais com a administração, conservação, guarda e realização do ativo e distribuição do seu produto.” Tratando-se de remuneração de trabalho do síndico e do liquidatário, estando a cargo deles os bens hipotecados e revertendo aquele trabalho também em benefício dos credores privilegiados, não há como dizer-se que estes devam ficar excluídos de concorrer para a referida remuneração”. (Voto vencido publicado na Revista Forense n. 66 (LXVI), página 155). DESUSO DA PALAVRA DIREITO – “Convém esclarecer que o propósito deste estudo não é o de recomendar o desuso da palavra direito em qualquer de suas significações impróprias, multisecularmente arraigadas e sim o de mostrar aos estudantes que, pelo mesmo vocábulo, os juristas simbolizam realidades jurídicas completamente diferentes. E sobretudo a designação da ordem jurídica pela palavra direito é que tem dificultado muito a conceituação do direito propriamente dito. Não se deve esquecer que as palavras são nomes das coisas, e não das idéias que temos das coisas (Stuart Mill). Por esta razão, pela mesma palavra, podem ser denominadas coisas completamente diversa. Por exemplo: a palavra macaco tanto significa um animal quadrúmano, como um aparelho mecânico. Assim também a palavra direito entrou a simbolizar realidades jurídicas diferente”. (“Lições”, página 217). DEVER E PÁTRIO PODER - “Atualmente, o mal denominado pátrio poder não confere apenas direitos a quem nele se encontra investido, ou somente poder que a ele estão submetidos, mas sim, principalmente impõem deveres, de maior relevo que os direitos, pelo que não mais se apresenta como espécie de governo, mas essencialmente como instituição protetora de insuficientes. Trata-se, portanto, de dever que se cumpre no interesse de um incapaz; é menos poder que tutela, ou encargo protetor. Direito de pátrio poder é inadmissível, já era um dos aforismos de Loysel, no principio do século XVII: droit de puissance paternelle n’a lieu”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 197, página 409). DEVER SOCIAL DO ESTADO – “Modernamente, ninguém mais põe em dúvida que o Estado tenha obrigações positivas. Conquanto não haja acordo sobre o fundamento e a extensão dessas obrigações, todos reconhecem que elas existem. Não basta, por exemplo, que o governo, por suas leis, não embarace o livre desenvolvimento das atividades individuais, mas é preciso ainda que assegure a todos os súditos os meios de desenvolverem suas atividades, provendo à própria subsistência. Sem dúvida, o dever de assistência social do Estado é dos mais importantes, e Leon Duguit encontra seu fundamento no princípio que se impõe a governantes e governados de nada praticarem contra a solidariedade social e de fazerem tudo que possa assegurar o seu desenvolvimento”. (“Do Procedimento de Execução”, , n. 262, página 154). DIREITO – “A palavra direito é metáfora de variadas significações. Sua ambigüidade desorienta os neófitos. Etimologicamente provem do baixo latim: directum; oriundo do latim clássico rectum (o direito, o justo) com a mesma raiz de regere (governar); rex (rei), regnum (reino), regula (regra), vindo, assim, ligado à idéia de autoridade. É usada, freqüentemente, ora como sinônimo de ordem jurídica total, ora como equivalente apenas a uma de suas partes. Assim, é constantemente empregada para significar a lei (direito civil com referência restrita ao Código Civil ou com alusão ao costume (direito costumeiro), ou a um trabalho doutrinário (tratado de direito penal). Fala-se em direito positivo para significar a ordem jurídica em vigor, em certa jurisdição, numa determinada época, em oposição a direito natural, com a princípios científicos inspiradores, complementares ou reformativos, dessa ordem . (...) Mas todas essas significações são ambíguas, porque o direito é conceito formal, invariável no tempo e no espaço”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 11, páginas 13\14). DIREITO PRIVADO e DIREITO PÚBLICO - “Não tem sido fácil, por exemplo, fixar a diferença entre direito público e direito privado; inegavelmente os limites dos dois campos ainda permanecem obscuros; mas a dificuldade em clarear os confins não impede que se mantenha teoricamente a diferença como necessária nem autoriza a opinião de que só se trata de distinção acadêmica, pois ninguém confunde norma de direito civil com regra de direito penal, nem regra de processo penal com norma de direito comercial, a não ser em casos excepcionalíssimos. E dadas as diferenças irrecusáveis, tem-se base e necessidade, não só de dividir o direito positivo em vários ramos, como também de tratar cada qual de modo diferente, desde que nem sempre a técnica que convém a um seja adequada a outro”. (“Lições”, página 47). DIREITO ADQUIRIDO NO DIREITO INTERNACIONAL - “Nenhuma questão de direito pode ser resolvida numa jurisdição para valer em outras jurisdições autônomas. O efeito internacional de um direito adquirido depende inteiramente da jurisdição onde se pretende dele prevalecer, não da jurisdição de onde foi adquirido. Entre jurisdições autônomas u’a não pode forçar outra a aceitar como válida qualquer apreciação, pelo que o direito adquirido é sempre voluntariamente importado, e nunca forçosamente exportado. Por conseguinte, se a solução da questão do direito internacional privado só vale na jurisdição onde o fato anormal foi apreciado, e se o efeito internacional da apreciação depende, não do direito desta jurisdição, mas dos direitos de jurisdições estranhas, mais uma vez fica evidente que o direito internacional privado só pode ser direito nacional”. (“Lições”, página 57). DIREITO ADQUIRIDO - UM CONCEITO JURÍDICO – “No nosso entender, direito subjetivo propriamente dito é aquele que nasce da decisão judicial. No mundo objetivo, é claro, não se encontra qualquer entidade que seja, e não possa deixar de ser, direito adquirido. Trata-se de conceito jurídico. Expressão técnica, ambígua, duvidosa e por isto mesmo de emprego arriscado. Ninguém jamais conseguiu dar definição satisfatória de direito adquirido (Planiol), e somente cresceram as dificuldades pela contraposição inútil, dessa idéia falsa e sem qualquer alcance, à de expectativa de direito (Duguit). Nos séculos XVII e XVIII, Grotius e Burlamaqui opunham o direito adquirido ao direito natural: este era o que pertencia originária e essencialmente ao homem, inerente à sua natureza, e o titular dele gozava pelo simples fato de ser homem, ao passo que daquele não gozava naturalmente, mas artificialmente por concessão”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 265, página 499). DIREITO ADQUIRIDO REGULARMENTE – “Pillet, servindo-se de uma das noções de Grotius (ius legitimo modo partum), denomina direito adquirido aquilo a que chamamos direito subjetivo impropriamente dito, isto é, o fato, antes oficialmente apreciado pela autoridade jurisdicional competente, a que não falte qualquer dos elementos abstratamente exigido pela ordem jurídica, para que possa ser tido como direito subjetivo propriamente dito, caso se torne necessária sua apreciação oficial. Por esta razão, aquele notável professor muito encarece a necessidade de se falar em direito regularmente adquirido; e aí está exatamente o ponto fraco de sua insustentável teoria, pois nada impede que uma ordem jurídica atribua efeitos a fatos ocorridos no estrangeiro onde nenhum efeito lhe seja atribuído e negue qualquer efeito a direito adquirido no estrangeiro, isto é, regulamente do ponto de vista da jurisdição onde haja sido adquirido”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 266, páginas 500\501). DIREITO ADQUIRIDO CONCEITO SUBJETIVO – “O que se vem chamando de direito adquirido nada mais é do que o fato completo, ou incompleto, mas com a segurança de se completar, isto é, que ao menos potencialmente já reuniu todos aqueles elementos previstos abstratamente pela norma jurídica para que chegue o direito subjetivo a existir, estando ainda insatisfeito o titular do interesse, porque, de outro modo, já se estará diante do fato consumado, ou extinto o direito subjetivo, impropriamente dito. É o que vem sendo denominado expectativa de direito é fato incompleto, enquanto haja probabilidade de não se completar, isto é, de não a vir se converter em direito adquirido. (...) Mas até hoje não encontraram a pedra de toque para, em quaisquer hipóteses, poder-se com segurança o fato em uma dessas duas classes, que tão facilmente imaginaram e tão penosamente vêm conservando”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 265, página 500). DIREITO ADQUIRIDO EXTERNO - “Aqueles autores que admitem a possibilidade de ser o direito adquirido transportado de um para outro país, procuram distinguir o tema de direito internacional privado da suposta eficácia internacional dos direitos adquiridos, e vão ao ponto de afirmar que tanto não se confundem, que sempre se apresentam em ordem de sucessão. Assim, por exemplo, Niboyet imagina que o assunto da atribuição de efeitos a fatos ocorridos no estrangeiro (a que denomina problema da eficácia internacional dos direitos adquiridos) pode ser, ou não, precedido da matéria de direito internacional privado (a que denomina problema do conflito de leis), mas esquecendo-se totalmente de que na jurisdição estrangeira é que pode ter havido, ou não, inicialmente questão de direito internacional privado, e de que no “forum” sempre “ex-novo” a mesma surgirá”. (“Dir. Int. Priv.", página 71, n. 33). DIREITO ADQUIRIDO IMPORTADO - “Nenhuma questão de direito pode ser resolvida numa jurisdição para valer em outras jurisdições autônomas. O efeito internacional de um direito adquirido depende inteiramente da jurisdição onde se pretende dele prevalecer, não da jurisdição de onde foi adquirido. Entre jurisdições autônomas uma não pode forçar outra a aceitar como válida qualquer apreciação, pelo que o direito adquirido é sempre voluntariamente importado, e nunca forçosamente exportado. Por conseguinte, se a solução da questão de direito internacional só vale na jurisdição onde o fato anormal foi apreciado, e se o efeito internacional da apreciação depende, não do direito dessa jurisdição, mas dos direitos de jurisdições estranhas, mais uma vez fica evidente que o direito internacional privado só pode ser direito nacional” . (“Lições”, página 57). DIREITO ADQUIRIDO NO ESTRANGEIRO - “Colocadas, assim, as coisas em seus devidos lugares, já ficará mais fácil desenvolver o assunto, mas antes ainda é preciso lembrar que a questão da capacidade nem sempre se encontra bem encaminhada na esfera do direito internacional privado; e isto porque os doutrinadores em geral não distinguem estas duas questões inconfundíveis: a de efeito internacional de direito adquirido, e a de direito internacional privado. Tratando-se da primeira, o de que se cuida é saber se o ato jurídico praticado no estrangeiro deve, ou não, ser recebido como válido e operante no fórum; e portanto se capacidade, ou incapacidade, atribuída por uma jurisdição deve, ou não, ser respeitada por outra jurisdição”. (“Lições”, página 61). DIREITO ANTIGO - “O mais remoto vestígio de direito internacional privado de que até agora se tem notícia foi conseguido por Karl Neumeyer, professor da Universidade de Munich, que, em longos anos de estudo, por arquivos e bibliotecas, deparou com um parecer. (...) Esse documento histórico, o mais antigo que até agora se descobriu, o que se pode admitir é que, no norte da Itália, naquela época (metade do século XII) começou a ser esboçado o direito internacional privado. É certo que, de outras investigações feitas por Meijers, professor da Universidade de Leiden, resulta que, mais ou menos ao mesmo tempo em que os italianos começaram a lançar as primeiras regras, também nos Países Baixos, na Franças, na Alemanha e na Inglaterra havia costumes particulares que divergiam de uma para outra povoação; na Holanda até de um para outro bairro da mesma cidade e tais divergência passaram a despertar a atenção dos doutores”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 56, páginas 127/128). DIREITO COMO NORMA- “A palavra direito, ainda que em sentido técnico, é equívoca; e um dos significados com que freqüentemente aparece é o de normas de apreciação dos fatos, legisladas ou jurisprudenciais. Normas que devem ser observadas pelos juízes, ou autoridades competentes para oficialmente apreciar a conduta das pessoas. Neste sentido a totalidade das regras pelas quais são juridicamente avaliadas ou julgadas as relações sociais dos membros de uma comunidade é o que se chama ordem jurídica ou sistema jurídico”. (“Lições”, página 71). DIREITO COMO REGRA DE AGIR - “Se o direito fosse regra de agir, a norma de conduta dos particulares, ninguém poderia casar ou comerciar sem fazer curso de direito de família ou de direito comercial ou sem auxilio de um jurista, quando é inegável que o povo ignora o direito, e atos juridicamente apreciáveis são diária e incessantemente praticados sem esse auxílio ou sem o auxílio de um jurista, quando é inegável que o povo ignora o direito e atos juridicamente apreciáveis são diária e incessantemente praticados sem esse auxílio”. (“Lições, página 126). DIREITO COMPARADO - “O direito comparado consiste em exame de duas ou mais ordens jurídicas, para explicar as respectivas semelhanças e diferenças. O resultado desse trabalho, puramente científico, utilíssimo na interpretação e reforma das leis, pode contribuir para o aperfeiçoamento do direito internacional privado, mas deste não faz parte. O estudo do direito comparado, no dizer de Gustave Rolin-Jaequemyns, “deve fazer compreender as idéias universais de direito e de justiça, sem debilitar o espírito nacional”; não visa, portanto, atingir o estabelecimento de direito universal, mas determinar os motivos desta ou daquela evolução jurídica. O direito comparado conduz à filosofia do direito e por isto mesmo lhe interessam as diferenças e as discordâncias de ordem jurídica coexistentes ou não, vivas ou mortas, enquanto ao direito internacional privado só interessa a independência de ordens jurídicas coexistentes”. (“Lições”, páginas 96-97). DIREITO COMPARADO E DIREITO INTERNACIONAL - “Não há esquecer entretanto que a comparação da esfera do direito comparado, tem finalidade diversa da que se faz no âmbito do direito internacional privado: ali se cuida de explicar cientificamente a razão de ser desta semelhança, ou daquela diferença; aqui, de organizar direito positivo especial, adequado ao fato anormal. O direito internacional privado não é dependência do direito comparado, conquanto possa este operar sobre aquele, para exame e explicação das diferenças e das semelhanças existente nos inumeráveis sistemas nacionais. Nesse trabalho o direito comparado pode concorrer para facilitar a unificação das normas de direito internacional privado, mas então contribuirá para estabelecer harmonia jurídica, sem suprimir a necessidade de especial apreciação dos fatos anormais, deixando, portanto, livre atuação para o direito internacional privado”. (“Dir. Int. Priv.” n. 28, página 56). DIREITO - CONCEITO FORMAL DE - “Em suma: ordem jurídica é conceito sociológico (substancial) enquanto direito é conceito formal. Por isto mesmo enquanto a ordem é mutável, o direito é invariável; enquanto a ordem pode emanar de várias fontes, o direito só provém de decisão judicial, por onde também flui a ordem, e assim o juiz é um de seus artífices. Ordem jurídica e direito são conceitos inconfundíveis. Não importa que o sistema de distribuição de justiça seja o romano, da predominância da lei, ou seja o do common law, do predomínio da jurisprudência; neste ou naquele sistema, o direito é sempre o mesmo conceito formal: a garantia de um modo de pensar”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 11, página 14). DIREITO CONDICIONAL – “Ninguém nega que na esfera do direito civil, o direito condicional dependente de acontecimento futuro e incerto, já tem valor econômico e social. Encontram-se no patrimônio do titular não só os direitos que podem ser exercidos, como ainda os dependentes de prazo ou de condição preestabelecida, não alterável a arbítrio de outrem. Pela lei civil, a condição suspensiva torna o direito apenas esperado, mas não realizado. Todavia com o seu advento, o direito supõe ter existido desde o momento em que se deu o fato que o criou. Por isso a lei o protege, ainda nessa fase de existência meramente possível, e é de justiça que assim seja, porque, embora dependente de um acontecimento futuro e incerto, o direito condicional já é um bem jurídico, tem valor econômico e social, constitui elemento do patrimônio do titular”. (“Pareceres”, 256/257). DIREITO DAS GENTES - “O direito das gentes independentemente de qualquer organização governamental extra-estatal, continuará sob a garantia dos próprios Estados, enquanto não houver poder central soberano O direito das gentes, independentemente de qualquer organização governamental extra-estatal, continuará sob a garantia dos próprios Estados, enquanto não houver poder central soberano. E quando este existir, já haverá comunidade de Estados estruturada em subordinação; instituída, então, uma jurisdição universal, outro deverá ser o sistema de justiça internacional, e novas serão as fontes de critérios pelos quais devam ser apreciadas as relações entre Estados e entre estes e o governo mundial. Em resumo: a comunidade de Estados configura-se em coordenação; seus membros são os Estados egoístas, exigentes, a reclamar sempre fundamental igualdade jurídica, e por isso lhe serve principalmente um direito convencional. Ao contrário disto, no Estado moderno, a sociedade estatal apresenta-se construída sobre a idéia da subordinação de um povo a um governo.”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 09, página 10). DIREITO DAS GENTES e AS FICÇÕES JURÍDICAS – “Brierly nota muito bem que em matéria de direito das gentes, a convicção crescente entre os juristas é a de que muitos postulados tradicionais são pura ficções, de que a gente se deve desembaraçar, caso o direito exija se conserve contato com as realidades da vida internacional. Neste sentido, mostra Opemheim que nenhuma doutrina deixa de se ressentir, mais ou menos, da tirania das frase feitas, e quem esteja em contato com a aplicação do direito das gentes, na prática diplomática, ouvirá a todo momento a queixa de que os livros expõem doutrinas fantasistas, em lugar de regras jurídicas verdadeiras. E para estar de acordo com a realidade, o que se deve afirmar é que não existe sociedade de Estados politicamente organizada, estruturada em subordinação, pois apenas o que há são grupos humanos, autonomamente organizados, a manter relações um com os outros, relações particulares, às vezes regionais, sem que haja governo dessa ainda anárquica convivência; e também não existe sociedade internacional, ou universal, de indivíduos, não obstante, considerada de certo modo, seja a humanidade um todo”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 347, página 602-603). DIREITO DE AÇÃO – “Tal como do direito objetivo processual resulta para a pessoa, situação jurídica de direito público, que é o direito de ação, assim também de disposições de direito internacional privado resultam situações jurídicas concretas, de direito público, semelhante ao direito de ação. Ora, atualmente predomina a opinião de que a ação é direito público, que não se confunde com a relação de direito privado, nem com a relação de direito público substancial sub judice a figurar como mérito da causa. Sempre que se encontre incerta, ameaçada ou violada qualquer situação jurídica subjetiva, o titular de seu exercício adquire outro direito contra o órgão do Poder Judiciário, cujo objeto consiste na declaração, na defesa, na efetivação ou na garantia daquela situação”. (“Lições”, página 52). DIREITO DO PAVILHÃO – “A respeito da navegação aérea, é preciso ver que a duração dos vôos é pequena relativamente à das viagens marítimas: uma transformação do pessoal no curso da viagem sempre se realiza entre empregados da mesma companhia, de tal sorte que não há motivo para tratar o fato internacional diferentemente do nacional, tal como se o avião só tivesse voado no país a que pertence. A atividade do pessoal aéreo no estrangeiro não é senão extensão, ou irradiação do trabalho executado no território nacional; vigora e não se altera o contrato de trabalho original. Aliás, sempre se recai no direito do pavilhão, que é do país de matrícula da aeronave. Tratando-se de navegação fluvial, não há razão para se proceder de outro modo: o serviço do pessoal de bordo deve ser visto como simples extensão do trabalho no país a que pertence o barco. Prevalece a teoria alemã da irradiação, completada pelo direito do pavilhão”. (“Lições”, página 208). DIREITO E JUSTIÇA – “Antes de submetido o fato ao conhecimento oficial do Poder Judiciário nenhum direito pode existir, porque depende da apreciação oficial e que ainda não foi feita; e depois de apreciado o fato, deixa o direito de existir como, por estar concluída a apreciação. Por isso mesmo, no dizer de J. Brown, o direito nunca é, mas pode, a todo o momento vir a ser, e logo que é deixa de ser, pelo que o direito só é direito no momento de ser lavrada a decisão judicial”. (“Variações sobre o Direito e a Justiça,” página 15). DIREITO E O FATO - “Começo por insistir em que, a respeito da contraposição do direito ao fato, há dois modos de pensar irremediavelmente incompatíveis, absolutamente inconciliáveis. Para um lado, a orientação clássica, no sentido de que o chamado direito objetivo incide diretamente nos fatos e os vai regendo, desde antes de serem oficialmente apreciados pela autoridade jurisdicional incumbida de manter a ordem jurídica; e, como resultado disso, as pessoas no curso da vida quotidiana vão extrajudicialmente adquirindo direitos subjetivos, ou vão cometendo crimes, violando as leis, porque estas estão atuando incessante e automaticamente. Para outro lado, a direção realista, no sentido de que o chamado direito objetivo, critério oficial de apreciação jurídica dos fatos, não tem eficácia automática. Conquanto seja, a todo momento, potencialmente eficiente, nunca chega a ser realmente eficaz, senão por intermédio da autoridade jurisdicional, pois o Estado só garante, como direito, por execução manu militari, a decisão judicial. E este último modo de pensar parece mais razoável”. (“Lições”, páginas 176/1777). DIREITO EM SEU SENTIDO TÉCNICO - “A palavra direito, ainda que em sentido técnico, é equívoca; e um dos significados com que freqüentemente aparece é o de normas de apreciação dos fatos, legais ou jurisprudenciais. Normas que devem ser observadas pelos juízes, ou autoridades competentes para oficialmente apreciar a conduta das pessoas. Nesse sentido, a totalidade das regras pelas quais são avaliadas e julgadas a relações sociais dos membros de uma comunidade é o que se chama ordem jurídica ou sistema jurídico. Ordem ou sistema, porque conjunto organizado de disposições, de regras, de normas de apreciação, dependentes entre si, como partes solidárias de um todo específico”. (“Lições”, página 71). DIREITO E SOCIOLOGIA - “Em suma: ordem jurídica é conceito sociológico (substancial) enquanto direito é conceito formal. Por isto mesmo enquanto a ordem é mutável, o direito é invariável; enquanto a ordem pode emanar de várias fontes, o direito só provem de decisão judicial, por onde também flui a ordem, e assim o juiz é um de seus artífices. Ordem jurídica e direito são conceitos inconfundíveis. Não importa que o sistema de distribuição de justiça seja o romano, da predominância da lei, ou seja o do common law, do predomínio da jurisprudência; neste ou naquele sistema, o direito é o mesmo conceito formal: a garantia de um modo de pensar.” (“Dir. Int. Priv.", página 14). DIREITO INDÍGENA E O FATO ANORMAL - “Fato anormal é relação humana, puramente de fato, cuja apreciação jurídica é auxiliada pelo direito internacional privado, sem que haja conflito dos direitos primários que possam servir a essa apreciação. O fato anormal não consiste em contato, ou colisão, de direitos objetivos, impropriamente ditos, uns com os outros, nem em divergência de disposições legais indígenas e alienígenas, e sim num fato, numa relação humana, em conexão com duas ou mais jurisdições, onde vigoram direitos autônomos, os quais, em razão dessas conexões, se mostram, no forum, mais ou menos adequados à sua apreciação. Como o fato é anormal, nem sempre lhe serve o direito indígena comum, e por isso é que, em caso de não servir, cuida-se de organizar direito apropriado, ordenando-se seja imitado “in totum” ou “in partem” direito estranho”. (“Dir.Int.Priv.", n. 34, páginas 73/74). DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - “Feita essa distinção entre normas primárias e normas secundárias, vê-se logo que o direito internacional privado é de natureza absolutamente secundária, pois não contém nem uma regra primária. (...) Sem dúvida o direito internacional privado é direito público; todo direito secundário é público, enquanto o direito privado é invariavelmente primário. As regras de aplicação do direito objetivo são de direito público. Evidentemente resolver se determinado fato deve ser avaliado ou julgado pelo direito indígena ou pelo direito alienígena, não pode ser questão de direito privado”. (“Lições”, páginas 49/50). DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E A SUA FUNÇÃO AUXILIAR- “Objeto único do direito internacional privado é, pois, esta função auxiliar que desempenha no fórum: como o fato anormal pode ser apreciado à moda nacional ou à moda estrangeira, indicar in abstrato o direito aconselhável; ou, por outras palavras: como a ordem jurídica indígena não é especialmente destinada à apreciação de fatos anormais, pela regra de direito internacional privado manda-se observar o próprio direito indígena, ou imitar direito estranho, visando-se sempre a solução justa, e útil aos interessados”. (“Lições”, página 109). DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E O FATO ANORMAL – “A função específica do direito internacional privado é indicar o direito objetivo a ser apreciado o fato anormal: o ius communis ou então o ius specialis; e este, sempre modelado por uso jurídico estrangeiro, poderá ser profundamente ofensivo da ordem social, se tal uso for reproduzido. É que o funcionamento da norma de direito internacional privado independe do sentido da regra do direito primário. Faz-se sempre em abstrato a indicação da ordem jurídica que deva ser imitada na apreciação de um fato anormal, sem exame preliminar, sem qualquer controle, no sentido de suas regras. Sempre, depois de indicado o direito estrangeiro que vai servir de modelo, depois de provado esse direito, é que se vai ver quais são as disposições para bem reproduzi-las. E então, no momento de examinar o conteúdo do direito primário estrangeiro, o juiz, se considerar sua adoção ofensiva à ordem social do fórum, deverá rejeitá-la”. (“Lições”, página 163). DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E OS CÓDIGOS CIVIS - “Sem dúvida o direito internacional privado é direito público. As regras de aplicação do direito objetivo são de direito público. Evidentemente verificar se um determinado fato deve ser avaliado ou julgado pelo direito indígena ou pelo direito alienígena, não pode ser de direito privado. A circunstância de aparecer legislado no vestíbulo dos códigos civis não é razão para lhe atribuir a natureza de direito privado; ninguém ignora que não é a lei onde uma disposição está encaixada que determina sua natureza jurídica, e sim o que a qualifica é a sua destinação na ordem jurídica. Até hoje, por exemplo, os códigos civis ainda regulam a hipoteca, como se esta fosse de direito privado, de direito civil, quando a doutrina já demonstrou que é instituto de direito processual, de puro direito processual civil, portanto de direito público. As regras sobre a obrigatoriedade das leis, e sobre a sucessão das leis no tempo, matérias que ninguém duvida sejam de direito público, também se encontram legisladas na Lei de Introdução ao Código Civil”. (“Lições”, página 50). DIREITO INTERNCIONAL PRIVADO E O SEU ÚNICO OBJETO – “Repondo as coisas em seus lugares, o que se deve dizer é que o objeto do Direito Internacional Privado é única e exclusivamente organizar direito adequado à apreciação dos fatos anormais, ou fatos em relação com duas ou mais jurisdições, sejam pertinentes ao forum, ou ocorridos no estrangeiro. Compreende-se que, no programa do curso acadêmico alguns professores incluam a nacionalidade e o domicílio (...) e a condição jurídica dos estrangeiros (...) Vale dizer: como recordação de assuntos conexos, é admissível a inclusão de tais matérias no programa do curso, mas é inadmissível incluí-las na esfera do direito internacional privado como objeto deste”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 26, página 50). DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E OS PROCESSUALISTAS RETARDÁRIOS – “Os autores que situam o direito internacional privado no setor do direito privado estão tal qual aqueles que consideravam a ação como elemento da relação humana apreciável por direito privado, ou melhor, como direito privado subjetivo (impropriamente dito) em sua tendência a atuação. E assim como há alguns processualistas retardatários, que ainda não conseguiram conceber a ação como poder de movimentar a máquina judiciária, juridicamente apreciável por direito público, há também cultores do direito internacional privado a insistir em confundi-lo com o direito privado”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 37, página 89). DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO ORGANIZADOR DO DIREITO OBJETIVO - “O exame até agora feito de noções e definições de vários autores teve a finalidade didática de despertar a atenção do leitor para a doutrina que parece mais racional, isto é, mostrar que o direito internacional privado, como critério de julgamento, como direito objetivo impropriamente dito, é o ramo do direito público que se destina a organizar o direito objetivo propriamente dito, adequado à apreciação de fatos que, por quaisquer elementos, estejam em conexão com dois ou mais meios sociais, ou mandando observar o próprio direito comum, ou mandando imitar direito estranho. E como direito subjetivo, impropriamente dito, é a faculdade de exigir da autoridade jurisdicional essa observância, ou essa imitação, uma vez que o direito subjetivo é apenas o avesso do objetivo”. (“Dir. Int. Priv.", página 99). DIREITO NACIONAL É EXCLUSIVO – “Atualmente é indiscutível o caráter nacional, não só das regras de direito internacional. Cada país manda apreciar os fatos anormais pela maneira que, com ou sem razão, lhe pareça melhor. E outro axioma básico dessas tormentosas disciplinas é a relatividade dos valores jurídicos: cada direito nacional é exclusivo, isto é, dotado de autocracia, sendo possível dizer-se, relativamente a cada jurisdição, todos direitos positivos estrangeiros são destituídos de vigência, nada mais sendo do que fatos relevantes.” (“Lições”, página 187). DIREITO NÃO É SER VIVO - “Os juristas foram sempre propensos a materializar e animar o direito, isto é, referir-se a este como se fosse ser vivo, cheio de vontade e de propósitos, ou cousa material dotada de energia expansível, deixando assim despercebido que o conteúdo da norma jurídica é um modo de pensar. E as inumeráveis teorias de direito internacional privado não têm salientado convenientemente que a ordem jurídica nada mais é do que uma concatenação de pensamentos mantida por uma autoridade; ficando, assim, na penumbra a conclusão de que a imposição da ordem jurídica é sempre uma expressão de governo; e, precisamente por isso, os governantes não podem impor parte dela a qualquer jurisdição estrangeira”. (“Dir. Int. Priv.", n. 114, página 256). DIREITO NATURAL – “A ilusão de um direito natural emanado da substância dos fatos, ou produzido pela natureza, nada mais é do que uma crença, ato de fé, de origem inconsciente, que nos força a admitir em bloco uma idéia, uma opinião, uma explicação, uma doutrina. E aí está a razão pela qual muitos juristas eminentes, sábios de primeira ordem, cultos e inteligentes, acreditam piamente nesse lendário direito natural. Cumpre não esquecer nunca que lógica racional e lógica mística subsistem muitas vezes no mesmo espírito, por mais positivo que possa ser como afirma Gustave Le Bon. Bobbio tem razão onde afirma que a história dos direito natural é de uma grande evasão. Na verdade os juristas para escaparem do conhecimento, refugiaram-se na crença”. (“Dir. Int. Priv.”, n. 46, páginas 109/110). DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO – “Costuma-se contrapor direito positivo a direito natural através de discussões intermináveis, por darem os contendores sentidos diversos à mesma palavra: direito. Como este, em última análise, é um modo de pensar, quando o critério de apreciação do fato é oficializado, vigente, proposto pelo legislador, ou efetivamente sancionado pela jurisprudência, denomina-se direito positivo; e quando não o é, chama-se direito natural, o que não quer dizer que haja direito produzido pela natureza ou segundo as leis da natureza. (...) Entra logo pelos olhos que este último direito natural e o direito positivo, coexistentes, ou a se substituírem, não podem deixar de ter a mesma origem: a inteligência concentrada na apreciação dos fatos. Pois o direito, sendo produto espiritual, jamais poderá germinar naturalmente fora do homem, como as plantas, ou estar contido nos fatos.” (“Dir. Int. Priv.", n. 46, páginas 105/106). DIREITO E SUA AFIRMAÇÃO – “Essa apreciação extrajudicial, supostamente de acordo com a ordem jurídica, feita pelos próprios interessados, ou por advogados, cujas luzes sejam solicitadas, posto que provisória, vai funcionando enquanto não se suscite dúvida, ou litígio, perante órgão jurisdicional competente. Então será este que concretizará a ordem jurídica, dando ao caso desfecho formalmente justo, isto é, apreciando o fato reconstituído, por critério oficial, mediante uma decisão que será para os litigantes definitiva e garantida pelo Estado, em forma irrefragavelmente obrigatória. Pode-se afirmar com segurança que em regime de justiça pública, seja no sistema romano, seja no sistema do common law, só pela decisão judicial se concretiza a ordem jurídica, e apenas nessa decisão aparece o direito. Carnelutti, tratando da juris-dictio, afirma que, “em rigor, o direito não é dictum até que o juiz, verificando o fato e a sua conformidade com padrão legal (fattispecie), o declare”. (“Dir. Int. Privado”, n. 16, página 26). DIREITO NUNCA É – “Antes de submetido o fato ao conhecimento oficial do Poder Judiciário nenhum direito pode existir, porque depende da apreciação oficial e que ainda não foi feita; e depois de apreciado o fato, deixa o direito de existir como, por estar concluída a apreciação. Por isso mesmo, no dizer de J. Brown, o direito nunca é, mas pode, a todo momento vir a ser, e logo que é deixa de ser, pelo que o direito só é direito no memento de ser lavrada a decisão judicial”. (“Variações sobre o Direito e a Justiça,” página 15). DIREITO OBJETIVO – “Direito objetivo e situação jurídica concreta dele resultante são a mesma coisa encarada sob dois aspectos: em essência não são diversos, e um sempre corresponde ao outro, como o reverso ao anverso. Enquanto o direito objetivo não passa de norma de avaliação da conduta, a situação jurídica concreta que lhe é correspondente nada mais é do que o valor focalizado pela mesma norma. E examinada a situação jurídica concreta correspondente a qualquer norma de direito internacional privado, sempre será encontrada uma relação de subordinação”. (“Lições”, página 52). DIREITO POSITIVO - “O direito objetivo, critério de apreciação dos fatos, é imaterial, inextenso, não ocupa lugar no espaço, e por isso mesmo todos os direitos, em nenhuma parte, ou em toda parte se encontram; mas direito positivo, vigente numa jurisdição, é apenas aquele que essa jurisdição promete observar. Por outro lado, o direito nada tem a ver com a força de que dispõem os governantes; e mesmo esta se extingue nos limites das jurisdições. E se nenhuma jurisdição pode impor ao fórum seu direito como critério de apreciação do fato anormal; se a qualquer fato anormal o direito estranho ao fórum não se impõe por força própria; o que disso se segue é que, em torno de um fato anormal, não pode haver conflito de direito, nem conflito de soberanias, nem ao menos concurso de direitos, no sentido de que dois, ou mais, devam ser observados”. (“Lições”, página 109). DIREITO PRIMÁRIO – “As divergências das disposições do direito primário não importam conflito porque cada qual só vale como direito numa jurisdição. Os direitos objetivos, critérios de apreciação dos fatos, por mais divergentes que sejam, não colidem, não se tocam, nem se prejudicam; e sim permanecem inertes nas respectivas jurisdições que os vêm mantendo. Existe mera relação de conveniência entre cada um dos direitos e o fato; e não existe qualquer relação, nem choque, nem conflito entre os direitos, uns com os outros, mesmo porque, relativamente a cada ordem jurídica, as demais são meros fatos”. (“Lições”, página 109). DIREITO PRIMÁRIO E DIREITO SECUNDÁRIO – “Não se deve supor que secundário seja sinônimo de formal, pois a norma que concede a ação, por exemplo, é secundária e não é formal. Enquanto o direito primário é sempre substancial, o direito secundário pode ser substancial, ou formal. A diferença está em que o direito primário define situações jurídicas sem servir de instrumento à aplicação de outro direito; enquanto o secundário é sempre instrumento de aplicação de outro direito, ainda quando seja substancial ou definidor de direitos e obrigações, podendo-se, por exemplo, ter em vista a condenação em custas, a obrigação de depor como testemunha, a indenização devida à testemunha pelo fato de ter deixado suas ocupações para vir depor, as multas aplicáveis no curso do processo, o direito de recorrer, a matéria de fraude à execução, e o que se encontra de material, ou formal, nas cauções judiciais, reais ou fidejussórias, na hipoteca, na arrematação, na adjudicação, ou na remissão de bens em execução. Por outras palavras: ainda quando define direitos e obrigações, o direito secundário, pelo fato de ser substancial, não perde o caráter de ser secundário”. (“Lições”, páginas 48/49). DIREITO PRIVADO E DIREITO PÚBLICO – “Note-se, todavia, que a ordem social e as leis de ordem pública nada terão a ver com a divisão do direito em público e privado se, para essa divisão, for adotado o critério de Montesquieu; de resto, por sua origem e por sua destinação, todo direito é público, no sentido de oficial, isto é, proposto, anunciado e ordenado pelo governo. Podem ser de ordem pública tanto as disposições de direito público como as de direito privado, se forem diferenciadas pelas relações sociais a cuja apreciação se destinam; e a ordem social pode obstar a imitação de direito estrangeiro, público ou privado, imperativo ou facultativo”. (“Lições”, páginas 170/171). DIREITO PÚBLICO CRIAÇÃO DO ESPÍRITO – “Não é em sentido vulgar que os adjetivos público e privado qualificam o substantivo direito, mas em acepção técnica muito diversa; aliás muito equívoca. No mundo objetivo nenhuma entidade se encontra que seja direito público, ou direito privado, e não possa deixar de ser assim qualificada. No mundo subjetivo é que se encontram esses conceitos, essas realidades jurídicas, as quais, precisamente por serem criações do espírito, podem, de um para outro jurista, mudar de significação. (“Dir. Int. Priv.”, n. 36, página 84) DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO - “Não tem sido fácil, por exemplo, fixar a diferença entre direito público e direito privado: inegavelmente os limites dos dois campos ainda permanecem obscuros; mas a dificuldade em clarear os confins não impede que se mantenha teoricamente a diferença como necessária nem autoriza a opinião de que não se trata de distinção acadêmica, pois ninguém confunde norma de direito civil com regra de direito penal, nem regra de processo penal com norma de direito comercial, a não ser em casos excepcionalíssimos. E dadas as diferenças irrecusáveis, tem-se base e necessidade, não só de dividir o direito positivo em vários ramos, como também de tratar cada qual de modo diferente, desde que nem sempre a técnica que convém a uma é adequada a outro”. (“Lições”, página 47). DIREITO SUBJETIVO E O INDIVÍDUO – “O indivíduo é quem, por qualquer desses motivos, resolve obedecer a ordem, mas ela não o compele irresistivelmente a fazê-lo. Se quiser, poderá desrespeitá-la, correndo o risco que disto possa advir, pois “as normas jurídicas, no fundo, são indiferentes à conduta dos cidadãos, e só estabelecem o que deve acontecer, conforme o indivíduo se comporte desta ou daquela maneira” (Brunetti). Nem o temor da sanção é efeito da ordem; se o fosse não se poderia compreender porque tantos indivíduos não a temem. A verdade é que a ordem em potencial, antes de concretizada, não é direito, nem produz direito: não aproveita, nem prejudica. É ilusória a suposição de que a ordem jurídica se aplica automaticamente aos fatos ao natural, tais como vão acontecendo e, por isto, extra-judicialmente, na convivência humana, vão brotando direitos subjetivos, por geração espontânea. É evidente que as normas pensadas não podem atingir os acontecimentos. Mas isto não obstante, ainda são muitos os que costumam personificar a ordem jurídica, especialmente a lei, dotando-a de braço, de mão e de esforço para alcançar; como agente vivo a forçar o cidadão a obedecer ou a sofrer as conseqüências da desobediência”. (“Dir. Int. Privado”, n. 12, página 17) DIREITO SUBJETIVO NÃO TEM EFICÁCIA SEM O JULGAMENTO PELO JUIZ – “Por conseguinte, com base nessas lições de Chiovenda e Carnelutti, pode-se afirmar que as autoridades administrativas e legislativas, por mais altas que sejam, não concretizam a ordem jurídica e por isto os seus atos não resultam direitos subjetivos que no nosso entender são apenas situações de fato garantidas por decisão judicial. Sem dúvida alguma, observam as leis, aplicam as leis, praticando atos de acordo com as mesmas, mas dessa observância, dessa aplicação, dessa prática, não resultam direitos subjetivos propriamente ditos, sim situações de fato, mais ou menos estáveis, mais ou menos garantíveis, que jamais podem ser confundidas com aqueles. Aliás, essas situações de fato, esses acontecimentos, se forem submetidos à apreciação judicial, nem ao menos serão julgados tal como aconteceram, mas como ficaram reconstituídos perante o julgador e este é quem vai decidir como ficaram reconstituídos. Fato não é o que aconteceu, mas o que o juiz declara que aconteceu”. (Lições, página 240). DIREITO UNIFORME - “Não se deve confundir direito uniforme com direito universal: resume-se aquele na coincidência de normas emanadas de duas ou mais ordens jurídicas estatais, enquanto este seria o conteúdo de uma única ordem jurídica mundial de tal sorte, que só quando houver jurisdição univer | |