Um polemista muito bem relacionado
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"Um polemista muito bem relacionado", copyright O Estado de S. Paulo, 18/06/05 "Polemista convicto, dono de uma oratória que se tornou clássica, Carlos Lacerda afirmou mais de uma vez que sempre tratou os políticos com certo desprezo, mas nunca deles se desvencilhou. Foi preciso ter os direitos políticos cassados pelos militares da Revolução de 1964 para cessar a atividade política. ‘Ele enfrentou problemas até quando nao estava diretamente envolvido’, conta Túlio Vieira da Costa, organizador dos volumes com a correspondência de Lacerda. ‘Como sua expulsão do Partido Comunista Brasileiro, em 1938, mesmo sem ter nunca sido oficialmente filiado.’
O motivo foi sua reportagem sobre a história do comunismo no Brasil, publicada no Observador Econômico e Financeiro. Com isso, Lacerda passou a ter seu ingresso rejeitado nas redações de outros jornais que antes o acolhiam com generosidade. ‘Tive de abrir caminho a machadinha, como um mateiro no meio da selva, cortando os cipós, me espetando nos espinhos, para me livrar da solidão da selva a que fomos condenados’, escreveu ele, em novembro de 1939, a Olympio Guilherme, jornalista que passou pelas mesmas agruras. Desgostoso, Lacerda mudou-se para São Paulo, onde iniciou contato com intelectuais paulistas, como Mário de Andrade, além de manter correspondência com velhos amigos, como Rubem Braga (confira a desavença entre Andrade e Braga no trecho publicado abaixo). Lacerda prezava muito a relação com escritores. Manteve longa correspondência com Erico Verissimo, especialmente analisando sua obra - o autor da trilogia O Tempo e o Vento não esconde sua satisfação com o ‘perfeito entendimento’ que o político revela sobre um de seus principais livros, Incidente em Antares. Veríssimo, aliás, mesmo datilografando a carta, gostava de colocar sua assinatura ao lado de uma autocaricatura. Já as cartas trocadas com Carlos Drummond trouxeram o reconhecimento que Lacerda há muito buscava e que os círculos intelectuais lhe negavam. Expulso da política nos anos 1960, ele tentava abrigar-se nos meios literários, apoio que recebeu via uma carta do poeta mineiro, divulgada somente após a morte do político (veja abaixo). O acervo traz também uma vasta troca de correspondência com políticos, especialmente durante o período em que Lacerda foi governador da antiga Guanabara, atual Estado do Rio de Janeiro. As primeiras cartas trocadas com o general Humberto Castello Branco, presidente da República entre 1964 e 1967, por exemplo, são quase todas só gentilezas - ‘companheiros de ideais’ de um lado, ‘seu amigo e admirador’ de outro - até o momento em que a prorrogação do mandato de Castello Branco é fixada em julho de 1964. Segundo Costa, a partir daí há um recuo aparente de Lacerda em 4 de dezembro, explicado pela pressão recebida de seu influente amigo Julio Mesquita Filho, então diretor do Estado. E, em carta datada de 20 de março de 1965, Lacerda revela sua lucidez na interpretação dos fatos ao prever o fim das eleições diretas no Brasil, se fossem derrotados todos os candidatos da União Democrática Nacional. Candidato à Presidência, Lacerda já vislumbrava um futuro sombrio para a sociedade brasileira, que o afastaria definitivamente da política.
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